segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

VI

Johanna está sentada à secretária. Embora pareça olhar para o monitor, o seu olhar vago e distante indicia que não está ali e agora.


- Johanna… acabei de receber o relatório preliminar da perícia forense… nada de diferente a assinalar…
- …ele vai fazer um erro mais cedo ou mais tarde… ninguém é perfeito…
- …ele… assumes… nem isso sabemos!
- Pedro, aquelas mãos, aquela voz… não podia ser uma mulher!
- Assumes que quem te atacou é o autor destes crimes. Percebo mas não temos provas que o sustentem.
- Sim Pedro, não temos provas mas eu sinto-o. Chama-se um palpite e os meus palpites tendem a estar correctos, com tão bem sabes.
- … algum palpite quanto ao paradeiro do homem?

Johanna atira uma borracha na direcção de Pedro que sorri enquanto a apanha com a mão que tinha livre, continuando a ler as folhas que tinha na outra.

- Ora recapitulemos, temos três vítimas do sexo masculino de idades compreendidas entre os vinte e os cinquenta e sete anos. Dois caucasianos e um negro. Não encontrámos nenhuma ligação clara entre eles à excepção de serem propensos a actos de violência.
- Certo…


- Johanna chegou isso para ti.
- Obrigada Martinho.

Johanna olha para um embrulho que Martinho colocara na secretária à sua frente. É uma caixa pequena, cinzenta com o lacinho dourado. Abre a caixa. Afasta o papel de celofane e descobre um anel. Tem de se conter para não o agarrar de imediato. Abra a primeira gaveta da secretária retira um par de luvas que calça. Depois pega finalmente no anel e inspeciona-o. Tem um aspecto tosco e batido. Umas nervuras de lado juntam-se no disco central. Olha para as marcas nesse disco, distingue um padrão geométrico que identifica de imediato. Mesmo assim pressiona o anel contra o bloco de folhas que tinha na secretária. Com um lápis sombreia a marca deixada pelo anel. Pega no bloco com as duas mãos e fica a observar. Na sua face um ar de confirmação.
Martinho olha-a só desviando a sua atenção para o bloco quanto ela o pousa junto ao anel na secretária.

- O embrulho vinha numa caixa de transportadora endereçado a ti e sem remetente. Questionámos a transportadora que indicou que o homem que o deixou pagou extra ao funcionário para que o envio fosse feito assim. A descrição do homem em causa não ajuda muito: aparentava ser um sem abrigo com cerca um metro e oitenta, moreno, barba, óculos escuros, boné, calças de ganga e blusão verde tropa. A câmara de vídeo da agência estava avariada na altura da entrega pelo que não temos imagens. Estamos a tentar verificar se há alguma câmara de trânsito ou de um multibanco na área que possa ter captado algo.
- Muito bem Martinho, excelente trabalho. Entrega a caixa e o anel à equipa forense para análise. Embora suspeite que não vão encontrar nada de útil.
- Ok.

Johanna coloca o anel dentro da caixa, esta dentro de um saco de prova e entrega-o a Martinho.


Algures na cidade uma sombra entra num prédio com um ar abandonado. Depois de percorrer um corredor na penumbra, chega a uma parede que se abre misteriosamente à sua frente e entra numa sala ampla mas também pouco iluminada. Descalça as botas, retira o longo casaco preto de pele que pendura num cabide e dirige-se a um suporte onde deposita, com uma vénia, um sabre japonês. Entra noutra divisão de onde sai momentos depois, já sem as calças de couro e a camisa pretas. Enverga um kimono yukata azul escuro, com um padrão que quase não se distingue. Dirige-se à cozinha e pega num frasco. Retira três colheres cheias, uma após a outra, de grãos de café para um moinho manual. Procede à moagem do café por recurso a movimentos de cadência constante. Abra a gaveta e retira o pó com uma colher de madeira para uma espécie de funil onde colocara um filtro. A chaleira apita, pega nela vertendo de seguida o conteúdo de água no filtro. Um líquido escuro começa a cair numa pequena taça colocada por baixo do funil com o filtro. Todos os movimentos foram realizados de uma forma elegante como se de um ritual se tratasse…
Com a taça nas mãos senta-se no chão em frente a uma mesa rasa, tem a mão esquerda debaixo da taça e a outra a envolvê-la do lado direito, mantendo esta forma de a agarrar leva-a à boca e bebe um gole de café fechando os olhos.


(continua)


FATifer

6 comentários:

  1. Isto promete, um justiceiro todo cheio de boas maneiras
    Impossível resistir a tanto charme
    :))

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    1. Cativou-te noname?... ainda bem! Espero continuar a estar à altura… :)

      Beijinho,
      FATifer

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  2. As boas maneiras também se podem confundir com frieza, com rituais sem qualquer relação com gentileza e bons modos. Esperemos para ver se há alguma relação entre o homem do sabre japonês e as três mortes.

    Aguardo e vou saboreando sem pressas...:)

    Beijinhos, esperando que o autor dos crimes não fique impune. :)

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    1. Janita,

      Acredit aque neste momento nem eu sei responder a essa tua “inquietação” (se haverá ou não relação)… como disseste, deixa ver como flui ;)

      Beijinhos,
      FATifer

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  3. Tás-lhe a dar, rapaz!

    Continua...

    :)

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    1. Meu caro,

      “I’m just warming up” :) ….
      Como te disse, está a deixar-se escrever e palpita-me que ainda vou dar muitas voltas com esta história! ;)

      Ainda bem que estás a gostar.

      Grande abraço,
      FATifer

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