quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

I

Um feixe de luz entra pela fresta do estore e projecta-se na parede por cima da sua cabeça. Johana dorme num sono que não parece tranquilo. Num canto escuro uns olhos brilham… de um salto está em cima dela.

- Kitty! Não tens mesmo respeito pela tua dona… que horas são?... já sei, horas de tu comeres não é gata?!

Johanna levanta-se e vai até a cozinha. Abre uma lata de comida de gato que deposita na tigela de kitty que instantaneamente aparece por entre seus pés, “atacando“ o alimento acabado de disponibilizar. Johanna segue para a cabine de duche. Sentindo a água quente a bater-lhe nas costas, começa a acordar enquanto tenta recordar o sonho que estava a ter.

Vira-se e deixa a água cair directamente nos seus seios redondos como laranjas. Mecanicamente procede à auto-apalpação, nada de anormal, está tão absorvida pela sensação com que acordou e por não se conseguir lembrar do sonho que estava a ter que nem produz o suspiro de alívio habitual que já se tornara ritual.
Fecha a água e embrulha-se na toalha. Não tem planos para aquele sábado. Vai até à cozinha, abre o frigorífico e retira um iogurte líquido, um queijo e um pouco de chocolate preto. Abre o croissant que retirara do saco em cima da mesa e recheia-o com queijo. Abre o iogurte e sorve um golo, enquanto pensa se tem alguma coisa que precise comprar. Saboreia o resto do pequeno-almoço passeando pela casa. Kitty também já acabou de comer e volta para o canto da sala onde gosta de observar a dona que, depois de acabar de comer, entra no quarto. Por vezes parece que são os gatos os donos e gostam de nos controlar. Kitty levanta-se e entra no quarto onde Johanna se veste e apanha o cabelo num belo rabo-de-cavalo louro. Já sabe que a dona vai sair e dirige-se para a porta para levar a festinha na cabeça habitual.

- Vou só ali abaixo às compras kitty, já volto.

Passa a mão pelo topo da cabeça da gata enquanto o diz, abra a porta e sai.


Johanna chega à mercearia do sr. António que a cumprimenta com aceno de cabeça e o sorriso habitual.

- Bom dia menina então que vai ser hoje?
- Bom dia sr. António, queria umas laranjas e umas limas.
- E que mais?
- …um pacote daquelas bolachas do costume, um molho de espinafres e um quilo de cebolas. Ah… e aqueles espargos se já tiverem vindo.
- Sim menina já estão ali guardados para si, e que mais?
- … só três latas da comida para a Kitty.
- …muito bem, é tudo?
- Sim, sr António, de momento é.
- Aqui tem menina, eu ponho na conta. Até logo.
- Obrigada, até logo.

Johanna pega nos sacos que o sr. António lhe entrega e retribui o sorriso que aquele homem faz sempre que a vê, o que só faz aumentar o sorriso dele.
De volta a casa arruma as compras enquanto kitty se passeia a seus pés.
O telefone toca…

- Estou?... estou sim?... está lá?

Do outro lado apenas se ouve um ligeiro respirar. Desliga o telefone com violência.

-… só me faltava esta!

Pega no telemóvel…

- Estou? Martinho? Desculpa incomodar-te mas acho que ele voltou…
- Ele quem o teu amigo?
- Não briques… sabes se o meu telefone ainda está monitorado?
- …já não deve estar mas sabes como essas ordens demoram a entrar em efeito… eu ligo para o Vicente para confirmar. Mas achas mesmo que era ele?
- Conheço aquele respirar…
- OK… eu já te digo qualquer coisa, até já.
- Até já, obrigado e desculpa.
- Johana somos parceiros…

Johanna desliga o telemóvel e olha a gaveta onde tem guardado aquele que prometeu a si própria ter sido o último maço de cigarros que compraria na vida. Respira fundo, abana a cabeça em negação e olha para kitty que está parada a seus pés fitando-a como se que à espera de algo.

- Tens razão kitty este palhaço não merece um cigarro!

Volta a olhar para o telemóvel… vencendo a hesitação procura um número na agenda. Estabelece a ligação…

- Sim…
- Pedro? Sou eu, desculpa ligar-te assim mas acho que ele voltou…
- Não, não tenho a certeza… mas aquele respirar não me deixou muitas dúvidas…
- Eu sei que é pedir-te demais talvez mas…
- Sim… pronto… desculpa… não, estou bem…
- Beijos…


… volta a fitar o telemóvel expectante… o telemóvel, como que pressionado, toca.

- Martinho… e então?
- Infelizmente já não está monitorado…
- Ok… deixa… bom fim de semana.
- Johana qualquer coisa liga!
- … bom fim de semana Martinho.

Senta-se no sofá a olhar para o vazio. Por mais que soubesse que algo que não está resolvido mais cedo ou mais tarde volta, não era a melhor altura pensa, como se houvesse boas alturas para aturar psicopatas assassinos. O telefone volta a tocar…

Olha para o aparelho e ao quinto toque atende.

- Estou
- Não minha senhora isto é uma casa particular, enganou-se no número…
- Não faz mal.

Desliga o telefone e recosta-se no sofá. Uma música invade a sala, olha para a aparelhagem, a kitty tinha-a ligado inadvertidamente. A voz de Enya em “caribbean blue” parece ajudar a que relaxe.

Não quer pensar nele. Não quer recordar mas há coisas que parecem sempre escapar à nossa vontade e tudo lhe volta à memória como se de um filme se tratasse:

(continua)

FATifer

6 comentários:

  1. E eu, fico a aguardar o próximo episódio
    :))

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    1. noname,

      Não me vou comprometer com nenhuma cadência de publicação. Publiquei este início para me forçar a mim mesmo a continuar a escrever esta história…

      Mas é bom saber que criei expectativa ;)

      Beijinhos e bom ano!!
      FATifer

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  2. ...O que eu gosto de histórias de suspense e mistério!!
    Parece que adivinhaste, FATifer!
    Neste primeiro capítulo, pareceu-me estar a ler uma das histórias hipnotizantes da Patricia Highsmith. Ainda há pouco terminei a leitura do livro 'Inocência Perversa'.

    Espero que este teu conto me faça companhia nestes dias- a partir de amanhã - em que ficarei deambulando pela casa...:)

    Beijinhos expectantes! ;)

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    1. Janita,

      Como disse à noname, não vou garantir cadência de publicação pois a história ainda não está toda escrita…

      Nunca li nada da escritora que indicas mas vou tomar nota.

      É bom saber que o início agradou!

      Beijinhos e boa entrada em 2016,
      FATifer

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  3. À espera do II. :)

    (a personagem principal - será? - tinha mesmo de ter um gato? se fosse um buldogue francês é que era.)

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    1. Mam’Zelle,

      O II não tarda mas isto ainda não está escrito (vão ter de ter paciência)…

      As minhas desculpas por não acertar no animal de estimação que preferes mas está longe de ser a minha especialidade! :P

      beijinho Grande,
      FATifer

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