domingo, 28 de fevereiro de 2016

XXII

Yuri olha para Johanna, depois para Katerina.

- É uma longa história… tudo começou nas planícies geladas da tundra siberiana.
- Não vais contar história da vida do meu pai, pois não?
(Katerina andara mais uns passos e podia agora ver directamente Johanna. Esta mantinha-se imóvel no cadeirão olhando para Yuri)
- Katerina, ensinei-te muito mas paciência, não te consegui ensinar…
- Versão curta, por favor! Como é que esta loura é filha do meu pai? … sim que da minha mãe duvido que seja.
(Johanna olha momentaneamente para Katerina e recebe de volta um olhar que mais parece uma chicotada)
- Como queiras… como sabes, o teu pai teve muitas mulheres. A tua mãe tolerava mas no dia que lhe chegou aos ouvidos que nascera outra filha dele… bem digamos que foi um milagre que a Svetlana, agora Johanna, tenho sobrevivido. A mãe dela não teve a mesma sorte.
(As feições de Johanna alteraram-se ligeiramente, há uma surpresa no seu olhar)
- Não acredito em “milagres”, conta lá esse pormenor melhor…
- Não assisti. O que sei foi o que o meu irmão me contou no seu leito de morte. Já que queres a “versão curta” vou-me escusar a detalhes sobre o que fizeram à mãe mas foi o meu irmão que salvou a menina.
- O teu irmão?
- Sim ele amava a mãe e tinha jurado, a ela e ao teu pai, proteger a menina até à morte. Coisa que fez anos mais tarde.
- Estou a ver… porque falas nele, não te vou ofender perguntando-te se não estás a inventar esta história toda só para salvar esta loirinha… mas vou perguntar o que estavas a pensar fazer antes da minha interrupção?
(Katerina olha para Johanna que lhe tenta devolver a “chicotada” com o olhar. Katerina fita Yuri aguardando resposta).
- Eu ia tentar acalmar esta jovem…
- Às vezes acho-te piada Yuri… criticas-me mas… explica-me lá… matas a criatura que vinha com ela e depois vais “acalmá-la”. Se fosse eu no lugar dela acho que eras tu que já estarias calmo, demasiado calmo até.
- Katerina…
- E tu ó loura, vais ficar aí caladinha?
(Johanna olha Katerina e depois Yuri, tentando avaliar até que ponto devia ou não responder)
- Bem, se não dizes nada vais ter de te mexer… Yuri devolve-lhe o punhal.
- O que vais fazer?
- Estou a dar o benefício da dúvida à tua história… mas se ela é mesmo filha do meu pai vai ter de mo provar. Não te preocupes eu não a vou magoar… muito.
- Katerina…
- Vá Yuri, deixa-te de coisas, devolve-lhe o punhal senão isto será ainda mais injusto para ela!

Yuri faz deslizar o punhal pelo chão e este fica aos pés de Johanna. Katerina deixa cair no chão o longo casaco comprido que envergava. Johanna permanece imóvel olhado para Katerina. Observa-a, toda vestida de preto. Cabelo preso num longo rabo de cavalo. Botas com saltos agulha, fato de couro colado ao corpo. Em vários pontos da indumentária tem o que parecem ser pequenos punhais ou facas de arremesso.

- Minha cara, é assim: ou te levantas e lutas ou morres. Prometo ser rápida.

Katerina retira um punhal que tinha à cintura e avança em direcção a Johanna. Nesse instante Johanna apanha o punhal, que tinha à sua frente, dá uma cambalhota e vira-se, ficando em pose de espera com o punhal na mão direita e a lâmina para fora. Yuri afastara-se. Katerina parara o seu movimento e fita Johanna.

- Afinal estás cá!… ok vamos dançar.

Katerina volta a avançar e desfere um golpe com o punhal. Johanna bloqueia o golpe e os três seguintes, demonstrando agilidade e reflexos. Katerina dá um passo atrás e fita de novo Johanna. Esta responde com um ligeiro sorriso, mantendo uma expressão concentrada.

- Para primeira impressão não está mal. Agora vamos ver do que realmente és capaz.

Katerina investe na direcção de Johanna. Os golpes sucedem-se. O som metálico das lâminas a encontrarem-se repete-se, ecoando pela sala. Yuri, encostado à parede, observa aquela estranha dança. Duas mulheres numa coreografia muito particular. Observa a elegância e precisão dos golpes de Katerina mas igualmente a destreza e agilidade da defesa de Johanna. Katerina aumenta o ritmo e o inevitável acontece, com um gesto mais largo consegue um golpear Johanna no braço esquerdo. Param por momentos. Katerina com um sorriso lambe da lâminha do seu punhal o sangue de Johanna. Esta levanta as sobrancelhas, acena com a cabeça para o braço direito de Katerina olhando em seguida para a lâmina do seu punhal, por um instante. Katerina perde o sorriso ao aperceber-se que também havia sido golpeada. A sua expressão demonstra misto de raiva e ultraje.

- Já chega meninas!
- Como já chega? Esta… loura… teve a ousadia de me atingir! Isto não fica assim!
- Katerina! Tu é que pediste a demonstração…
- Yuri… não te metas, isto só acaba quando eu quiser!


(continua)


FATifer

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Acabei de ter o privilégio de assistir…

Sérgio Godinho e Jorge Palma - Juntos

A um dos melhores concertos que assisti na vida! Simplesmente magnífico!
Duas horas, três “encores”… fiquei de alma cheia!



FATifer

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

XXI

Olham um para o outro e levantam-se. Chegam à porta, um de cada lado. Johanna empurra-a delicadamente, esta mexe. Martinho faz-lhe sinal que não está a ver ninguém. Johanna empurra mais a porta até que esta fica toda aberta. Olham e, embora não haja muita luz, não há ninguém à vista. Saem da sala para um corredor longo e pouco iluminado. Ao fundo uma luz, por cima de uma porta, indica a única saída. Percorrem o corredor cautelosamente. Não há nada que possam usar como arma à vista, o que os faz sentir de certo modo “despidos“. Chegam à porta. Esta dá para uma escada que sobe. Olham para cima e não se distingue o fim da escada, está demasiado escuro. Voltam a olhar um para o outro e começam a subir. Quando chegam ao topo da escada deparam-se com um pequeno patamar com uma porta fechada ao fundo. A única luz vem da ombreira da porta que está debruada a vermelho. Assim que entram no patamar um feixe de luz azul percorre todo o espaço e ouve-se um som vindo da porta. A luz que debrua a porta passa a verde. Aparentemente estará destrancada. Martinho empurra-a ligeiramente com o pé para confirmar e ela mexe. Com um gesto decidido, Johanna empurra a porta, deixando-a escancarada. Entram ambos numa sala grande. Johanna sente algo de familiar naquele espaço pouco iluminado.

- Esta sala parece-se com as salas da casa do Pedro. Com esta luz ao nível do chão.
- E isso é bom ou é mau?
- Pois não sei…

Olham em volta, a sala aparenta estar vazia mas o centro está demasiado escuro para ter a certeza.


- Johanna McGill…
- Quem falou?
- Calma Martinho…
- Eu conheço esta voz! É…

Martinho não termina a frase porque um punhal o atinge mesmo na traqueia, fazendo-o cair de joelhos agarrado à garganta. Cai depois para o seu lado esquerdo e fica deitado de costas. Johanna ajoelha-se a seu lado apenas a tempo de ver o seu último olhar, um misto de despedida e súplica de vingança. Johanna retira o punhal com a mão direita e levanta-se. Nesse instante, o centro da sala ilumina-se, mostrando um cadeirão de couro castanho-escuro. Nele sentado está um homem todo vestido de negro (fato, camisa, gravata, meias e sapatos). Johanna olha-o tentando resistir à tentação de lhe devolver o punhal da mesma forma que ele o “oferecera” a Martinho. Por instantes ficam imóveis fitando-se.

- Quem é, como me conhece e o que pretende de mim?
- Calma minha querida… tudo a seu tempo. Parece que a lição de cumprir horários não surtiu grande efeito. Continuas impaciente.
- … impaciente… eu mostro-lhe impaciente!!

Johanna inicia o movimento na direcção do homem que permanece imóvel. Quando Johanna está a dois passos do cadeirão ele levanta-se e num movimento fluido envolve o braço em que Johanna tem o punhal retirando-lho e, ao mesmo tempo, projectando-a para o cadeirão, onde Johanna fica sentada. Fitam-se novamente.


- Vityaz! Ela é minha!
- Katerina… não devias estar aqui…
- Achavas que conseguias que não soubesse o que andavas a fazer, Yuri?
- Esperava tê-lo conseguido mas aparentemente… Katerina… já te disse que não a podes matar!
- Porque não?
- Porque ela é tua irmã!
- O quê?! O que é que estás a inventar?
- Não estou a inventar nada… vocês são irmãs!


Katerina entrara na sala por uma porta do lado oposto ao que Johanna e Matinho o tinham feito. Caminhava na direcção do cadeirão. Johanna apenas a ouvia mas não arriscar mexer-se. Yuri ia olhando alternadamente para cada uma. Do punhal, na sua mão esquerda, ainda pingava sangue de Martinho. A sua expressão facial e corporal estava muito mais tensa do que anteriormente, quando apenas tinha Johanna com que se preocupar. Johanna permanece na expectativa, ouvindo os passos de Katerina enquanto esta se aproxima do cadeirão do lado oposto ao que Yuri se encontra. Olha para Yuri em frente à sua esquerda. Este devolve-lhe o olhar, acrescentando um gesto discreto, com a mão direita, como que tentando tranquilizá-la. Katerina pára três ou quatro passos atrás do cadeirão. Olha para Yuri.

-Explica-me lá essa história de sermos irmãs…


(continua)


FATifer

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Hoje fui ver… (no IMAX)

Deadpool

É um filme só para alguns. Para alguém da minha faixa etária e com os meus gostos é perfeito! Nunca me ri tanto num filme de acção! ADOREI! (mas entendo que haja quem não ache qualquer piada…)


FATifer

sábado, 20 de fevereiro de 2016

XX

Johanna acorda com o barulho de uma porta a fechar-se. Levanta-se lentamente do chão onde se encontra deitada e vê…

-Martinho?!
- Johanna…
- Como é que saíste de minha casa? Onde é que estamos?
- Respondendo à tua segunda pergunta, não sei bem mas suspeito que na cave do armazém. Em relação à primeira… é uma longa história.
- Ok contas-me mais tarde… agora vamos sair daqui.
- Calma Johanna… acho que isso vai ser mais difícil do que parece.
- Achas que não consigo abrir esta porta?
- Acho que pensas que sim… mas, para além disso, o que me preocupa é o que está do outro lado.
- Uma coisa de cada vez.

Johanna dá um pontapé na porta mas esta não abre como ela esperava. Ouvem bater do outro lado e uma voz a falar, dizendo algo impercetível. Johanna olha para Martinho que retribui o olhar com uma expressão como que a dizer: “eu não te disse?”.
Johanna olha em volta. A divisão em que se encontram é relativamente pequena, talvez com quatro por quatro metros. Não tem janelas, apenas uns respiradores junto ao tecto, na parede que tem a porta. A porta não tem fechadura nem maçaneta. Fixa o olha na parede por cima da porta e pergunta-se porque só agora se apercebeu do que será o detalhe mais importante da divisão, o relógio digital que ali se encontra. O relógio marca 22:23. Olha para Martinho.

- Também já coloquei essa hipótese Johanna. Teremos de esperar uma hora para a confirmar.
- Achas mesmo que a porta se abrirá daqui a uma hora e nove minutos, às 23:32?
- Parece-me que estaremos cá para ver…
- Gostava de não concordar mas…

Johanna senta-se no chão encostada à parede oposta à porta, mesmo em frente desta. Martinho mantém-se em pé, à sua esquerda.

- Ora já que temos tempo para gastar, que tal contares-me como saíste de minha casa?
- Queres mesmo saber?
- Quero!
- Ok… depois de perceber o que tinhas feito, deixando-me sem roupa, sem comunicações, sim que até o computador levaste, e fechado à chave… vesti um vestido teu e abri a fechadura com uma pinça e pronto!
(Johanna olha Martinho com cara de “poucos amigos”)
- …ai foi? E qual foi o vestido que vestiste? Só para te mandar a conta…
- Pronto não faças essa cara. Estava a brincar. A verdade é que depois de me ver na situação em que me deixaste… a propósito porquê que fizeste isso?
- Estás a fugir ao assunto… acho que é obvio porque o fiz, não queria que viesses comigo!
- Pois… e garanto-te que o teu plano teria resultado não fosse o facto de terem entrado três “armários” pela tua porta a dentro e me terem trazido para aqui. Havias de ter visto a cara deles quando me viram nú. Pensando bem um até…
- Mas vestiram-te, ao que parece…
- Sim deram-me estas roupas. Por isso são tão largas, caso estejas a estranhar…
- …então mas três homens entraram pelo meu apartamento e levaram-te sem mais nem menos?
- Sim… e nem sequer arrombaram a porta!
- Não sei porquê mas, por mais inverosímil que fosse, gostava mais da tua primeira versão.
- Inverosímil porquê, achas que não era capaz de vestir um vestido teu?
- Capaz de tentar eras mas duvido que conseguisses caber em algum… e também não te estou a ver a conseguires abrir a minha fechadura com uma pinça…
- Se queres que te diga nem cheguei a tentar…
- Ainda bem, em relação ao vestido, pelo menos assim não tenho perdas a lamentar.
- Infelizmente, isso não é verdade…
- Como assim?
- … não sei como te dizer isto…
- Desembucha Martinho!
- … a kitty…
- O que tem a kitty?
- Ela estava ao pé de mim quando eles entraram… e…
- O que é que eles fizeram à kitty?
- … é melhor não te contar…
- Como é que a mataram?
- Johanna ela tentou proteger-me…
- E…
- … um deles agarrou-a pelo pescoço e só ouvi um estalo…
- …

Johanna olha para Martinho e depois para o chão entre as pernas. Martinho senta-se a seu lado. Ficaram em silêncio. Por fim Martinho chegou-se a ela e abraçaram-se.

- Desculpa… não consegui evitar… foi tudo tão rápido…
- O que poderias fazer, não te deixei forma de te defenderes…
- O MacGyver teria arranjado maneira…
- Sem o canivete e a fita isoladora, não sei…

Sorriram ambos. Ouviram um barulho do outro lado da porta. Olharam para o relógio, marcava 23:31. Assim que passou a marcar 23:32 a porta abriu-se.


(continua)


FATifer

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

XIX

Martinho acorda com kitty a lamber-lhe uma pálpebra. Olha para o lado, Johanna não está na cama. Olha para o relógio do rádio despertador na mesa de cabeceira do lado oposto ao que está deitado. Passa do meio dia. Levanta-se devagar. Ao passar à frente do espelho é que toma consciência que está nú. Olha em volta, não vê qualquer das suas peças de roupa no quarto. Deviam estar aqui as boxers, as calças e as meias, pensa. Segue até à porta do quarto olha para a sala e nada, nem vislumbre da camisa ou do casaco que deixara no bengaleiro. Começa a perceber o que se passa e o sorriso que tinha, quando ainda achava tratar-se de uma brincadeira, desvanece-se. Já descrente continua a procurar pelo resto da casa. Nada. Não há Johanna, não há roupas, não há telemóvel. O telefone fixo também desaparecera e a porta está fechada à chave. Olha para kitty que o seguia nas deambulações pela casa e pergunta:

- E agora kitty, o que é que fazemos?


Johanna segue no carro a caminho do armazém. O plano é simples, embora não necessariamente fácil, escolher um local onde consiga observar o armazém sem ser vista. O facto de só ter ido lá de noite não lhe permite ter a noção do que irá constatar em breve:
O armazém está isolado no meio de um descampado. O que é bom, pois não permite que ninguém se aproxime sem ser avistado mas é mau, porque não há local para se esconder para fazer a vigilância que pretende.
Da estrada, a cerca de três quilómetros do armazém, já o consegue avistar. Tomando consciência da impossibilidade de levar por diante o que tinha idealizado, passa pelo armazém e segue enquanto pensa num plano alternativo.


Numa sala pouco iluminada vê-se um vulto sentado no chão. A pouca luz de duas velas trémulas a seu lado faz aparecer e desaparecer sombras ondulantes nas paredes brancas. Parece estar em meditação. Não se ouve um som. Num só movimento ergue-se e fica de pé. Dirige-se à parede à sua frente de onde retira de um suporte uma corrente com cerca de 3 metros de cumprimento e com duas lâminas uma em cada umas das extremidades. Retira do bolso uma esfera que atira ao ar. Com um movimento rápido e preciso com a corrente, secciona com uma das lâminas a esfera em duas metades. Do interior desta surge um conjunto de penas brancas que ficam a pairar. Rodopia colocando assim a corrente num movimento circular que leva as lâminas a irem seccionado todas as penas em dois, quanto atingidas. As metades das penas atingem o chão e a corrente termina o seu bailado. Enrola a corrente e devolve-a ao suporte na parede. De seguida pega numa lança que também se encontrava na parede, noutro suporte. Volta ao centro da sala e inicia um conjunto de movimentos que parecem coreografados. No entanto, esta seria uma dança perigosa para alguém alvo dos movimentos desta lança, que parece que desliza nas suas mãos. Passará a tarde toda em exercícios com todos os muitos utensílios que cobrem a parede daquela sala.


Johanna não teria andado mais de um quilómetro e faz inversão de marcha. Tinha decidido. Se não podia vigiar ia entrar de imediato. Tenta ignorar o instinto que lhe indica que não deve, que é demasiado arriscado. Pára o carro à frente do armazém e sai. Segue em direcção à porta lateral que usara naquela noite. Estranha o facto de não ver as fitas a selar o que era uma cena de um crime mas depois recorda que o caso era agora “CONFIDENCIAL”. A Porta está fechada. Suspira e contorna o edifício até às traseiras à procura de outra entrada. A porta das traseiras também está fechada. Acaba de contornar o edifício constatando que todas as todas as portas estão fechadas. Pondera as suas opções. Será melhor forçar uma das portas ou tentar as janelas? Volta ao carro. Retira da mala um pé de cabra e dirige-se a uma das janelas onde os tapumes parecem mais fragilizados. Sem grande esforço consegue abrir uma fresta por onde passar. Tem de retirar os restos dos vidros para não se cortar mas depois disso entra sem dificuldade. O estado de degradação dos taipais permite alguma visibilidade mas mesmo assim decidiu acender a lanterna. Olha o espaço não encontrando grandes diferenças em relação ao que recordava. Dirige-se para a escada de acesso ao primeiro piso. Logo que pisa o primeiro degrau uma nuvem de fumo surge do tecto. Sente-se desfalecer.


(continua)


FATifer

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

XVIII

Johanna levanta-se e dirige-se à escrevaninha que está num canto por trás do sofá. Abre uma pequena gaveta e retira uma lâmina com a qual abre o envelope cuidadosamente. Volta para a mesa e senta-se ao lado de Martinho. Olha para dentro do envelope. Este contém apenas um cartão com uma mensagem que lê em voz alta:

“Para saber o que aconteceu a Pedro Castro, esteja sozinha amanhã às 23:32 no armazém em que o encontrou.”

Depois de ela acabar de ler, Martinho e Johanna olham um para o outro por um instante.

- O que vamos fazer?
- Vamos? Não sei se é boa ideia tu ires Martinho.
- Estás a brincar? … Como assim não é boa ideia eu ir?
- Ouviste o que eu li? Está escrito “sozinha”…
- Não estás a considerar ir sozinha, pois não?
- Porque não? Amanhã é sábado, não tenho nada melhor para fazer… além do mais, não podemos mobilizar meios oficialmente. Se é “CONFIDENCIAL” também não terão pistas dadas por mim!
- Johanna, eu sei que me vais dizer que já és crescidinha mas isto não te parece uma cilada?
- Martinho… eu sei o que parece mas pode ser a única oportunidade que terei de tirar a limpo o que aconteceu ao Pedro.
- … e estás disposta a dar a tua vida por isso?
- Não exageres! … mas, no limite, até te diria que sim…
- Johanna, não posso permitir que o faças!
- A decisão não é tua Martinho.
- Johanna… não…
- Martinho, lembra-te do que prometemos um ao outro quando nos tornámos parceiros. A decisão do outro será sempre respeitada!
- Sim Johanna mas… é demasiado perigoso!
- Eu sei mas não vou deixar passar esta oportunidade!
- Não há mesmo nada que possa dizer que te faça mudar de ideias, pois não?
- Sabes que não Martinho mas também sabes que sei que apenas queres o meu bem…
- Por isso mesmo não estou a gostar nada da ideia de ires sozinha de novo aquele armazém…
(Johanna olha para Martinho com um olhar terno)
- Martinho, esqueçamos esta questão por momentos. O que é que vinhas cá fazer afinal?
- Eu? Vinha falar contigo. Com tudo o que se tem passado quase não temos conversado. Tens estado tão calada ao almoço. Pensei que pudesses querer desabafar, sei lá…
(Johanna sorri)
- Desabafar não mas podemos falar, se quiseres…
- Johanna… eu… não devia ter vindo aqui…
- Martinho… coragem… diz o que te vai na alma, não tenhas medo.
- … não devo…

Johanna levanta-se e segue até ao bar. Pega em dois copos de shot que coloca lado a lado. Seguidamente pega numa garrafa em forma de caveira e enche os dois copos. Retorna ao pé de Martinho com um copo em cada mão. Martinho levantara-se antes dela chegar ao pé dele.

- O que é isto? Porquê a forma da garrafa?
- Crystal Head Vodka, já ouviste falar?
- Não.
- Prova… ou melhor bebe que um shot não é para provar!

Johanna estendo o braço esquerdo entregando um dos copos a Martinho. Os copos tocam-se num brinde e cada um engole o conteúdo do copo que tem na mão de um só trago.

- E agora, já tens coragem de dizer que me desejas?
- Eu … Johanna…
- Achas que sou cega? Ou parva?
- … sou assim tão óbvio?
- Não… tu até te esforças para tentar disfarçar mas…
- Aparentemente não o bastante…
- Homem, o que é que estás à espera?
- Eu… tu…
- … e depois nós mulheres é que somos complicadas! Tenho de te obrigar? …ou será que é assim que gostas?

O sorriso de Johanna não durou muito pois Martinho interrompeu-o com um beijo. Abraçam-se. As bocas separam-se para recuperarem ambos o fôlego. As mãos de Martinho acham os seios de Johanna por baixo do camisolão que ela tem vestido, enquanto as dela desabotoam rapidamente a camisa de Martinho. Olham-se e retomam o beijo. A camisa de Martinho está no chão. Sem quebrar o beijo, Johanna inicia o movimento de ambos em direcção ao quarto. Quebram o beijo com Martinho de costas para a cama. Johanna empurra-o e ele cai na cama. Ela tira-lhe os sapatos e as meias. Depois retira o camisolão deixando à mostra os seus seios perfeitos. Martinho olha-a de forma libidinosa. Ela sobe para a cama ficando em cima dele impedindo o movimento que ele iniciara para retirar as calças. Ela desaperta-lhe o cinto, depois o botão e seguidamente o fecho das calças. Deita-se em cima dele e com os pés faz deslisar as calças ao longo das pernas dele deixando-o apenas de boxers. As últimas peças de roupa desaparecem e os corpos entregam-se um ao outro num movimento ritmado de cadência inicialmente lenta mas com aceleração à vista. Os desejos reprimidos libertam-se ao som de gemidos e suspiros de prazer.


(continua)

FATifer

XVII

Um raio de luar ilumina o gume da lâmina manchada de vermelho que segura paralela à perna. Um pingo de sangue cai da ponta para a poça vermelha no chão. Olha o corpo esquartejado à sua frente, a expressão de horror misturado com dor extrema que retém a sua última vítima parece não ter qualquer efeito nele…
Num movimento rápido sacode do sabre japonês o resto de sangue que ficara na lâmina e embainha-o. Volta-se e desaparece nas sombras.


- Mais um?
- Sim Katerina, mais um.
- Quando é que o apanhamos?
- Não sei…
- … E o corpo?
- Desta vez nem o “tratou” mas nós “limpámos” antes de ser encontrado.
- Yuri… não pode ser… como é que este homem continua a iludir-nos?
- Como sabes não é um homem qualquer…
- Ainda assim é um homem não é?
- Alguns diriam que não…


Johanna está sentada no sofá com kitty no colo a receber festas. Tem um ar pensativo e um olhar distante. Enquanto afaga o dorso felpudo de kitty, está perdida em memórias. A circunstância de ter perdido a possibilidade de investigar o caso da morte de Pedro fá-la recordar:

Era o primeiro dia de trabalho com Pedro. O primeiro caso. Chegara cedo mas Pedro já não estava. Tinha um recado dele na sua secretária: “Vem ter comigo, estou na morada abaixo e traz café”. Dirigira-se para a morada indicada. Encontra Pedro a olhar para o corpo esquartejado de um homem. Faz um esforço para tentar esconder a repulsa que lhe causa a cena, enquanto entrega a Pedro o café que ele tina pedido.

- Bom dia. Obrigado pelo café.
- Bom dia… o que temos aqui?
- Bem, se não sabes o que é acho que não escolhi bem a parceira…
- …
- Não faças essa cara estava a brincar a ver se te descontraias um pouco. Ter de encarar logo de manhã um tipo todo estraçalhado não e propriamente o melhor que poderias pedir no primeiro dia, certo?
- O que é aquilo na costela?
- Ah! Afinal escolhi bem a parceira! Bem observado! Aquilo Johanna, é o o Kanji (ou carácter japonês) para morte. Parece ter sido cravado na costela a sangue frio, o que poderá explicar as feições da vítima.
- Estás a dizer-me que alguém fez aquilo quando ele ainda estava vivo?
- Penso que sim mas o Dr. Fernandes dirá se tenho ou não razão.

Recorda depois as palavras do Dr. Fernandes:

“Imaginemos que a vítima era uma obra de arte, a marca seria a assinatura. Sim foi feita com a vítima ainda viva. Tenho de afirmar que quem fez isto é um artista com uma lâmina!”

Recorda tudo isto pois este caso também lhes tinha sido “roubado” da mesma forma. Tornado “CONFIDENCIAL”. Recorda o desapontamento de Pedro na altura e a sensação com que ficara que ele não tinha desistido de o investigar. Deveria tentar fazer o mesmo com o caso da sua morte? Estava assim absorta nestes pensamentos quando a campainha toca. Assusta-se e kitty salta do seu colo. Levanta-se e vai até à porta. No visor do intercomunicador vê Martinho.

- Martinho o que foi?
- Johanna… desculpa vir sem avisar mas queria falar contigo…
- Ok… sobe.

Carrega no botão que faz disparar o trinco e volta para trás à procura de kitty. Vê-a de volta ao sofá e faz-lhe uma festa na cabeça. Ouve bater à porta. Muda o visor do intercomunicador para a vista do patamar confirmado que se trata de Martinho e abra a porta.

- O que é isto?
(Martinho aponta para um envelope colado na porta do apartamento de Johanna)
- Não sei Martinho…
- Este envelope já estava aqui quando cheguei ao patamar.
- Pois não fui eu que a pus aí, nem estava aí quando entrei.
- Queres que o traga para dentro?
- Hum… espera… vou buscar umas luvas.
- Sempre a Detective, se calhar é apenas uma carta de um admirador.
- Tu vês muitos filmes românticos…
- … e tu não vês nenhuns!

Johanna volta com um para de luvas de latex nas mãos e retira o envelope da porta. Depois faz sinal a Martinho para entrarem. Kitty salta do sofá e fita Martinho com um ar desconfiado.

- … deve estar a sentir o cheiro a cão…
- Talvez… ou então está apenas a recriminar-te teres interrompido a sessão de festas que estava a ser alvo.
- Desculpa kitty!

Joahanna sorri e senta-se à mesa da sala, começado a examinar o envelope que tem nas mãos. Martinho retira o casaco e pendura-o no bengaleiro, ao pé da porta, encaminhando-se de seguida para ao pé dela.

- Senta-te Martinho.
- Posso?
- Claro que sim.
- … não vejo nada de especial. Nenhuma marca… nenhum odor…
- Não vais abrir?
- Pois… será que devo?
- Estava colado na tua porta, deve ser para ti!
- Dedução brilhante, devias tornar-te detective!
- Ah, ah, ah … achas mesmo?



(continua)


FATifer

sábado, 13 de fevereiro de 2016

XVI

Martinho chega à sua secretária e olha para Johanna sentada à sua. A expressão facial dela transmite um misto de raiva e espanto.

- Olá Johanna… ia dizer bom dia mas com essa cara… o que se passa?
- O que se passa?!... o caso do assassinato do Pedro foi-nos roubado! É o que se passa! Ou melhor… devia dizer: “desapareceu”.
- O quê?! Como assim?
- Entra no sistema e vê… aparentemente tornou-se “CONFIDENCIAL”.
- … mas como? Quem?... não é justo!
- … (Johanna olha para Martinho franzindo a testa)
- Queres ficar mais “bem disposta” ainda?
- O que foi?
- … lembras-te daquele caso do homem encontrado em avançado estado de decomposição?
- Sim, o que tem?
- Também foi tornado “CONFIDENCIAL”!
- Fantástico!

Johanna recosta-se na cadeira e olha para o tecto. Martinho continua a olhar par ao monitor.

- Sabes que mais? O Vítor Andrade, aquela testemunha que interrogámos, também apareceu morto.
- Mais alguma “boa notícia”?
- … aparentemente não.
-ÓÓÓÓhhhhh...


Ficam ambos sentados a olha para o quadro do caso que ainda têm mas onde, sem mais provas, pouco podem fazer.


Yuri está sentado num cadeirão numa sala com vista panorâmica para um dos pátios de treino. Observa Katerina enquanto esta ultrapassa cada obstáculo do percurso. A agilidade felina é admirável. Yuri carrega num botão e liberta uma lâmina enorme, em forma de meia lua, que fica a baloiçar à frente de Katerina. Ela pára e olha na direcção de Yuri. Sorri dá dois passos e salta por cima da lâmina num salto perfeitamente temporizado de forma a não ser atingida pelas correntes que sustentam a lâmina. Completa o resto do percurso e pára à frente de Yuri, fitando-o. Yuri levanta-se do cadeirão, abre a porta de vidro e encaminha-se na direcção de Katerina. Num gesto fluido e rápido pega numa das espadas do escaparate à sua direita e disfere um golpe na direcção de Katerina. Esta roda para o seu lado direito e com uma cambalhota alcança outra espada do mesmo escaparate mesmo a tempo de defender o segundo golpe de Yuri, desferido agora já com a mão esquerda. Yuri pára e sorri. Katerina endireita-se e devolve o sorriso.

- Sempre atenta! Assim é que é, minha menina.

Katerina inclina a cabeça ligeiramente para a frente, num esboço de um vénia, e retoma a sua pose altiva parando de sorrir. Vira-se e segue na direcção da porta que Yuri deixara aberta. Sem se virar diz:

- Vou tomar um duche e depois vamos almoçar.

Yuri segue-a enquanto dá indicação, pelo auricular que tem na orelha esquerda, para que o almoço seja preparado. Vinte minutos depois estão os dois sentados a almoçar um carpaccio de salmão com aspecto delicioso.


- Explica-me outra vez qual é o próximo passo para encerrar o assunto do Zangief?
- Katerina não te preocupes, está controlado.
- … controlado? Desculpa mas não concordo…
- Tu és como o teu pai… mas nem tudo se resolve matando…
- Volto a não concordar… até percebo que tenhas usado toda a encenação para atrair o Pedro Castro. E que fique aqui registado que nesta instância foste tu que optaste pela solução do meu pai. Agora explica-me porque é que não era mais fácil matá-la e pronto?
- Não podes matá-la…
- Porque não?
- Katerina, não podes matar toda a gente!
-… (Katerina olha Yuri com um ar de desafio)
- … Katerina… sei que achas que não mas até para ti há limites…

Katerina solta uma sonora gargalhada enquanto olha para Yuri que mantém o ar grave com que proferiu a sua última frase. Acabam a refeição em silêncio.



Um vulto de negro caminha num corredor estreito com paredes de tijolo burro. Perto do tecto vêm-se tubagens. No chão, aqui e ali, há poças de água. Caminha calma mas decididamente ao longo do corredor até chegar a uma escada embutida na parede. Sobe a escada até alcançar um alçapão que se encontra no tecto. Para e encosta a orelha direita à tampa redonda que mais parece uma tampa de esgoto. De seguida com o golpe do ombro direito empurra a tampa abrindo-a. Sai. Está num beco escuro. O dia está nublado e uma neblina algo densa não permite muitos mais que alguns metros de visibilidade. Fecha a tampa devagar emitindo o mínimo ruído possível. Caminha na direcção do nevoeiro que se adensa, desaparecendo no mesmo.



(continua)


FATifer

domingo, 7 de fevereiro de 2016

Ontem vi…

 the revenant

E recomendo, desde que tenham estômago para o ver… está longe de ser um filme “leve” mas na minha opinião, foram 156 minutos da minha vida muito bem empregues!


FATifer

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

XV

Johanna repousa dentro da banheira de olhos fechados. O cheiro da vela que acendera enche o ambiente, ajudando-a a relaxar. O dia fora demasiado intenso até para ela que não gosta de estar parada. Talvez seja muito para digerir em tão pouco tempo e mesmo assim tinha acontecido. Por mais que doesse demais, o “problema” Pedro estava arrumado. Tenta com todas as forças não pensar em todas as dúvidas ainda por responder. Concentra-se em sentir a água quente e a sensação de conforto que esta lhe proporciona. Kitty está à porta fitando a dona.


Martinho está num bar ao balcão, com uma imperial à frente. Em condições normais já se teria levantado e puxado conversa com a loura dois bancos à sua direita ou até mesmo com as três amigas na mesa ao canto. Mas não, permanece imóvel a olhar as bolhinhas de gás a escapar do líquido. Está mergulhado em memórias. Recorda a primeira vez que vira Johanna. Ainda era um agente, ela e Pedro foram chamados para investigar a morte de um homem que ele encontrara. Se naquela altura lhe dissessem que um dia seria o parceiro daquela linda mulher, não acreditaria. Mas era e estava a agora preocupado com ela.



- Katerina…
- Sim Yuri…
- Sabes que estarei sempre do teu lado mas não achas perigoso ter eliminado os irmãos Kirchev?
- Podia perguntar-te se não foi um capricho parvo da tua parte teres morto o Pedro Castro?
- Katerina… era demasiado perigoso continuar a usá-lo…
- … achas? Pois eu acho que vamos sentir a sua falta, que é mais do que posso dizer dos irmãos Kirchev. Ah e já te disse que estás liberto da promessa que fizeste a meu pai.
- Achas que é por isso? E além de tudo o mais, não és tu quem decide a validade das minhas promessas!
- Yuri… Yuri… Yuri… a tua teimosia é quase tão admirável quanto a tua lealdade…


Katerina vira as costas a Yuri, deixa o robe preto de seda deslizar pelo seu corpo até se aninhar a seus pés. Yuri suspira perante aquela visão. Pausadamente entra na banheira à sua frente. Já deitada fita Yuri por momentos antes de fechar os olhos. Yuri retira-se.
À medida que vai percorrendo o longo corredor que liga a suíte de Katerina ao resto do complexo, Yuri recorda o dia em que fizera a promessa ao pai dela.

No chão gelado quase não se via o branco da neve tal era a quantidade de sangue derramado pelos corpos que preenchiam aquele que tinha sido o campo da batalha. Yuri está ajoelhado perante um homem sentado no chão e recostado numa pedra. O sangue escorre-lhe de vários golpes no peito. Olha Yuri e num último esforço dirige-lhe a palavra:

- Yuri…
- Sim Bogatyr.
- Como…como é que isto aconteceu?
- Não sei Bogatyr…
- Sabes sim… tu avisaste-me… mas orgulho cegou-me…
- Bogatyr, não fale… poupe as suas forças.
- Meu fiel Yuri… já não tenho salvação… tu tens de protegê-la… não há mais ninguém… tens de ser tu!...
- Sim Bogatyr, pela minha alma, protegê-la-ei sempre!
- Eu sei Yuri… a minha menina fica em boas mãos…



Martinho bebe o último gole da imperial e pousa o copo no balcão. A loura já não está dois bancos ao lado, saiu com outro cliente com mais iniciativa. As três amigas estavam já demasiado alegres e também já foram. Levanta-se e sai ele também do bar. A noite está fresca. No caminho para casa não consegue deixar de pensar em Johanna.
Entra em casa. Rataplan levanta momentaneamente o focinho as patas dianteiras ao ver o dono, retomando o seu descanso logo de seguida. Dirige-se ao sofá e entorna-se nele. Não lhe apetece mexer nem mais um músculo…



(continua)


FATifer

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

XIV

Johanna entra na esquadra e vai directa à sua secretária. Quando não vê Martinho na dele, pergunta onde ele está. Indicam-lhe que está no laboratório forense. Johanna dirige-se para lá.


- Johanna?!

- Olá Martinho.
- Detective McGill.
- Olá Francisco.
- O que é isso?
- É o que resta do telemóvel do Pedro.
- Ah… terá sido isso que despoletou a explosão então…
- Qual explosão?
- Já te explico… vamos para a nossa sala. Consegue fazer alguma coisa disso Francisco?
- Aaaaah…
- … ok … passe à próxima prova que tem para analisar.


Johanna conta a Martinho resumidamente os acontecimentos desde a noite anterior até ali.


- Dizes-me tu que foi ele que te ligou a dizer onde estava.
- Sim.
- E foste a um edifício onde viste um filme da morte dele mas não se via grande coisa.
- Sim.
-… e tiveste de sair a correr porque o prédio ia explodir?
- Sim.
- …estou a ver um filme e não paguei bilhete…


Johanna sorri. Martinho tem razão, há filmes com argumentos mais realistas do que o que ela acabou de contar. Recorda outra frase que sempre ouvira Pedro repetir “a realidade suplanta sempre a ficção”.



Algures numa sala com uma mesa enorme estão cinco homens sentados todos vestidos de preto. Fato, camisa, gravata, meias (e até as boxer) são todas pretas. Aquele que está sentado à cabeceira tem um lenço em vez de gravata mas o lenço também é preto. O homem que está mais longe e do lado esquerdo dele pergunta:

- Porque é que não a matamos e acabamos com o assunto?

O homem que está à direita do que está à cabeceira e mais perto deste responde:

- Matá-la mas tu endoideceste? O simples facto de perguntares pode ser a tua morte em vez da dela!
- Não compreendo tanta deferência… só por ser filha de quem é?
- Só? … quem é que pensas que és?
- Se dependesse de mim estaria morta!


As duas enormes portas, única entrada para esta sala, e opostas à cabeceira ocupada da mesa abrem-se repentinamente. Uma mulher esguia de pele muito branca e longos cabelos negros, entra, caminhando lenta mas decididamente do alto dos seus finíssimos saltos de agulha. Vestida totalmente de negro com um fato que realça o seu corpo de formas perfeitamente torneadas olha na direcção da mesa. Antes que alguém sequer se mexesse lança um pequeno punhal na direcção da cabeça do homem que estava do lado esquerdo e mais longe do que se sentava à cabeceira. A velocidade de reacção deste não lhe permite mais que virar a cabeça o faz com que o punhal, com o belo cabo em ébano, lhe perfure a têmpora esquerda, causando-lhe morte imediata.

- Alguém mais me quer ver morta?

Os restantes ocupantes da mesa não respondem, tentando nem sequer se mexer. Se conseguissem teriam parado de respirar.

- Ponto de situação Yuri.

O homem à cabeceira da mesa levanta a cabeça e tosse como que tentando ganhar tempo para ponderar o que responder.

- Ainda não o localizámos.
- … é assim tão difícil encontrar um homem?
- … um homem não… mas ele não é um homem, é uma sombra.
- Uma sombra? Hum… uma sombra só existe de houver luz…
- …
- … e os restantes assuntos?
- Estão controlados…
- Espero que melhor que este...


Não tendo chegado a alcançar a cabeceira da mesa vira-se e encaminha-se para as ainda abertas portas. Sem se virar para trás diz:

- Nem sequer penses nisso Vassily. Sabes que o teu irmão estava a pedi-las… queres acabar como ele?

O homem que está à esquerda de Yuri interrompe o gesto, que fazia com a mão direita, antes de alcançar a pistola que tem no coldre debaixo do braço esquerdo. Olha Yuri por segundos e retoma o movimento. Antes de o conseguir completar a sua cabeça está em cima da mesa em frente ao corpo inanimado do irmão.

- Obrigada Yuri.

Diz antes de sair da sala sem sequer olhar para trás. Parecia ter visto o golpe instantâneo de Yuri com o seu sabre japonês, que repousa ainda nas costas da cadeira de Vassily, parecendo o prolongamento do braço esquerdo de Yuri ainda estendido. As portas fecham-se atrás dela.



(continua)


FATifer

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

XIII

- Francisco!
- Sim detective.
- Quero que dês prioridade à análise do telemóvel. Assim que o rastreio de impressões digitais estiver concluído quero um relatório detalhado do seu conteúdo.
- Sim detective

Martinho dirige-se para a escada. A equipa forense está a arrumar o equipamento. O trabalho continuará no laboratório. Martinho segue para o carro. Ainda não acredita que vai ter de investigar o assassinato de Pedro. E Johanna onde estará?


Johanna olha para os outros vídeos na pasta. Tenta ver um com a data do dia se supunha ser o do assassinato do homem encontrado no armazém fechado perto do porto. Não consegue. Uma caixa de diálogo pede uma palavra passe e impede que o vídeo corra. A pasta contém mais cinco vídeos e todos estão protegidos da mesma forma. Tenta usar o seu nome e o nome da mãe de Pedro, sem sucesso. Dá uma pancada no tampo da secretária, tentando descarregar a frustração. Levanta-se da secretária e olha em volta. “Quem é que te matou Pedro? E porquê?”, são as dúvidas que lhe assaltam o espírito. Continua a perguntar como que esperando que Pedro pudesse responder: ”O que te fez ir àquele armazém?”. Passeia de um lado para o outro à frente da secretária. Recorda uma conversa que tivera com Pedro depois de um dos telefonemas:

- Se esse palhaço cometer o erro de se deixar localizar, eu mato-o!
- Que violência Pedro… prefiro que o apanhemos.
- Há pessoas que só entendem uma linguagem…
- Pegando no que dizes, não seria melhor criar condições para que lhe fizessem o que fez aos outros.
- … mas que perversa que tu estás… mas temo que se não fores ainda mais perversa, e quero com isto dizer considerares a hipótese de o incapacitar, ele não perderia uma luta.
- Talvez tenhas razão…


De repente ouve uma voz metálica dizer “ sequência de auto destruição iniciada”. Na parede aparece um relógio em contagem decrescente. Começou em cinco minutos. Pega no papel que estava no tampo da secretária e dirige-se para a porta mas não há forma de abrir. Bate com os punhos na porta. Olha em volta tentando manter alguma calma. Sem saber como uma porta abre-se na parede do lado esquerdo da sala. Corre para ela. Entra assim noutra sala repleta de armas. Ao fundo por trás de uma vitrine com um fato de aspecto “espacial” abre-se uma porta que parece ser de um elevador. Corre para a porta aberta. As portas fecham-se atrás de si e começa a descer. Em trinta segundos, que lhe parecem uma eternidade, está na garagem. Olha em volta, não parece haver porta! Decide entrar no Jeep Wrangler, quando ouve “dois minutos”. Assim que entra no carro uma parede começa abrir-se como se de uma porta se tratasse. O carro tem a chave na ignição. Liga-o e arranca em direcção à porta que se abrira. Sai para uma rua estreita. Pára antes do primeiro cruzamento. Está a uma distância que considera segura. Olha para trás e assiste ao prédio a desmoronar-se como um castelo de cartas. Olha para o tablier. Há um relógio em contagem decrescente com um minuto. Sai do carro a correr. Vai em direcção ao seu carro. A explosão do Jeep quase a faz cair. Entra no seu carro e arranca.


- Chamaste Francisco?
- Sim Detective?
- O que é isso à tua frente?
- É a razão pela qual o chamei.
- Não me digas que essa bolacha é o telemóvel do Pedro?
- Bem…
- O que é que tu fizeste?
- Eu não fiz nada!… isto é, apenas o tentei conectar ao computador…


(continua)


FATifer

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

XII

Johanna começou por procurar nos menus do programa de imagem por alguma indicação de alguma pasta onde pudessem estar vídeos mas não encontrou. Minimizou o programa e olho o ecrã em busca de algo que pudesse parecer relacionado. “Para quê usar uma câmara sem guardar as imagens?”, perguntava-se enquanto procurava pelo ecrã. Uma pasta parece piscar. Entra na pasta. Vídeos. O contentamento de parecer ter encontrado o que procurava deixa para segundo plano a estranheza de ter parecido ser encaminhada a tal. Verifica as datas o último tem a data do dia anterior. Abre o ficheiro. Começa por ver imagens do interior de um automóvel. Olha as imagens que vão passando. O vídeo parece não ser em tempo real, mais parecendo um conjunto de imagens espaçadas no tempo, como se fosse uma câmara de vigilância. Começa a reconhecer pontos do caminho para o armazém. De repente a imagem abana violentamente e o vídeo passa a ser em tempo real. O carro parece ter recebido uma violenta pancada por trás e depois está a sofrer pancadas de ambos os lados por parte de dois SUVs enormes. Vê um braço e uma mão tirar uma uzi de um saco no banco do passageiro. Uma rajada a ser disparada na direcção do condutor do SUV à direita do carro. A uzi muda de mão e o alvo passa ser o SUV à direita. Duas rajadas mais para baixo deverão ter inutilizado os pneus pois o segundo SUV também desaparece. O carro acelera e o vídeo volta a ser em modo vigilância. De repente ouve-se um som de outro motor. Uma moto de alta cilindrada aparece à frente do carro e o pendura dispara na direcção do carro. A uzi volta à acção, primeiro para retirar os restos do para-brisas depois para devolver fogo. Vê-se a sobra da moto a desaparecer na valeta tudo fica escuro sem os faróis. Vê-se uma mão a retirar do saco o que parecem ser óculos de visão nocturna. O vídeo volta a modo vigilância mas pouco se vê, pois quase não há iluminação na estrada. O resto do caminho até ao armazém é feito sem mais “interrupções”. Finalmente o carro pára. Mal se distingue o que parece ser o armazém que Johanna demora a reconhecer, por aparecer da perspetiva oposta à que ela teve.



- Detective Martinho?
- Sim Vieira?
- Quando movemos o corpo encontrámos algo que pode ser relevante.
- O quê Vieira?
- Uns óculos de visão nocturna.
- Ouviu isto Tenente? Está explicado como conseguiu chegar até a aqui sem faróis.
- Cheio de recursos este homem, sem dúvida.
- Obrigado Vieira.
- De nada Detective. Vamos metê-lo no saco.
- ok, já passo por aí para ver os óculos.


Martinho e Martins encaminham-se de volta ao interior do armazém.


Johanna sente a respiração alterada. Embora escura, a imagem permite perceber que tendo dado poucos passos depois de ter saído do carro Pedro foi atingido de raspão no braço esquerdo por algo que não se vê. Apenas se ouve algo a passar e depois a mão direita de Pedro ensanguentada após ter tocado no braço esquerdo. Vê-se uma porta do armazém que Pedro força para entrar. Dentro do armazém está ainda mais escuro. Pouco se vê e quase nada se ouve. Pedro começa a explorar o rés-do-chão, cuidadosamente. Quando chega às escadas hesita. Sobe cautelosamente. O primeiro andar parece ainda mais escuro. Vai avançando não se ouve nada a não se a sua respiração e os seu passos. De repente ouve-se o som que se ouvira na rua mas agora multiplicado. Pedro cai de joelhos e começa a disparar as metralhadoras que lhe aparecem nas mãos. Despeja os clips, disparando em todas as direcções. Os clarões dos disparos param. A respiração é quase ofegante. De repente um abanão, parece um golpe violento no peito. Vê-se o que parece uma lança. Empunhando-a um vulto negro. Ouve-se o grito de dor de Pedro enquanto a lança parece ser empurrada ainda mais para o interior do seu peito. O vulto retira a lança e desaparece. Pedro cai. Retira a pistola e dispara dois tiros na direcção em que se vira o vulto. Larga a arma. Com visível dificuldade retira um papel e uma caneta e começa a escrever. Johanna reconhece o bilhete que está agora na secretária à sua frente. Vê a mão esquerda colocá-lo no bolso direito do colete onde o tinha encontrado. Vê depois a mensagem que recebera a ser escrita. Recorda o telefonema vendo-o agora de outra perspetiva. Não consegue evitar as lágrimas quando vê o telemóvel a cair ouvindo a sua voz a chamar por Pedro. O vídeo acaba.


(continua)


FATifer