sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

XI

Johanna olha as fotos. Reconhece fotos das vítimas do último caso que investigara com Pedro e espanta-se ao ver as fotos do caso actual. “Como é que Pedro teria tido acesso a elas?”, pensa. Não sabia qual era a ocupação actual de Pedro mas tinha ido ter com eles à cena do crime... Continua a procurar. Se Pedro lhe tinha dado acesso a esta informação algo de relevante ela deveria conter. Quem sabe, talvez até pistas quanto ao seu assassino! Por momentos, recorda a imagem do seu corpo inanimado e duas lágrimas escorrem-lhe pelas faces. Tenta recompor-se investigando o conteúdo de uma das pastas intitulada “Shinigami”. Depara-se com um conjunto de imagens de corpos em avançado estado de decomposição que lhe fazem lembrar as imagens que Martinho lhe tinha mostrado daquele homem encontrado num beco. Lembra-se das primeiras palavras que alguma vez ouvira Pedro dizer: “…não há coincidências!”. Por momentos permite-se recordar a cena.

Estava no gabinete do director da esquadra a apresentar-se ao serviço no dia em que havia sido promovida a detective. Contava como no dia anterior tinha salvo uma senhora de ser atropelada por um carro e Pedro entra na sala

- Johanna McGill, Pedro Castro, o seu parceiro.
- Que coincidência, o apelido da senhora que lhe contava também era Castro!
- … não há coincidências! Foi a minha mãe que a Johanna salvou e por isso solicitei que fosse minha parceira.

Johanna não respondera. Correspondera apenas ao aperto de mão de Pedro, tendo ficado impressionada com a firmeza do mesmo.


Muda de pasta. Agora está a olhar para um conjunto de fotos de vários prédios com ar abandonado em várias áreas na cidade. Fecha a pasta. Um “icon” chama-lhe a atenção. Carrega nele e fica a ver imagens de vídeo que lhe parecem algo familiares. Parecem ser em directo. Quando vê a cara de Vieira as suas dúvidas dissipam-se, o que está a ver é a imagem em tempo real de uma câmara que o Pedro tinha no colete que tinha vestido! Pega no telemóvel e liga a Martinho.

- Sim? Johanna?
- Sim, sou eu Martinho, estás no armazém?
- Sim.
- Vai até junto ao corpo do Pedro, por favor.
- Mas Johanna… como assim?
- Vai até ao pé da equipe forense por favor, Martinho!
- Ok, estou a ir mas…
- Não é possível!!
- O quê? O que é que não é possível?
- Estou a ver-te Marinho!
- Estás a ver-me? Agora é que me baralhaste por completo!
- Olha para o ombro direito do Pedro. Vês algo que possa parecer-se com uma câmara?
- Vejo uma bolinha mas estás a dizer que isto é uma câmara e que me estás a ver através dela, é isso?
- Sim… é isso mesmo!
- Johanna… que conversa é essa? Onde é que tu estás?
- Agora não te posso explicar mas se ele tem uma câmara pode ser que tenha gravado o que aconteceu… vou procurar… adeus Martinho, eu volto a ligar.
- O quê? Johanna?!


Johanna havia desligado e Martinho não tinha percebido metade do que acontecera. Vieira olha-o como que esperando que ele explicasse o que estava ali a fazer.

- Vieira, achas que isto pode ser uma câmara?
- Pode ser…
- A Johanna disse que me estava a ver…
- Se a menina disse…
- Ok Vieira, desculpe a interrupção. Continuem mas tenham cuidado com esse colete, pode ser que tenha outras surpresas.

Martinho volta a afastar-se ainda a tentar perceber a conversa com Johanna.

- Tenente Martins.
- Sim detective?
- Mostre-me lá esse Trans Am, por favor.
- Venha comigo Detective.

Desceram por outra escadaria mais perto das traseiras do armazém. Nela estava um elemento da equipa forense a documentar uma marca fresca de sangue numa das paredes. Chegado ao rés-do-chão saíram por uma porta nas traseiras, a qual também tinha uma marca de sangue. O carro estava, como descrito, num estado que deixaria qualquer amante de automóveis entristecido. Parecia que não havia parte carroceria que não tivesse uma amolgadela. Os faróis estavam partidos. De noite como teria chegado até ali?


(continua)


FATifer

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

X

Duas horas e meia depois do telefonema de Johanna, já com o sol a querer nascer, Martinho chega ao armazém com os reforços. Olha aquele edifício no meio do nada e pergunta-se porque é que Johanna o fizera vir até aqui? Metade da equipa táctica começa a estabelecer um perímetro de segurança enquanto os restantes elementos se separam em equipas de dois elementos e iniciam a busca dentro do edifício. Os elementos da equipa forense vão preparando a material pois, se foram chamados, alguma coisa haverá para fazer em breve. Martinho olha o telemóvel, como esperando que toque.


Johanna chega finalmente à morada indicada no papel. É um prédio antigo quase sem janelas. Dirige-se à porta de entrada que é reentrada. A porta não tem fechadura. Recorda-se das instruções no papel. Vira-se para o lado esquerdo coloca os dois pés lado a lado no seguimento da ombreira da porta e vê aparecer um painel numérico na parede à sua frente. Digita o código que consulta nas instruções e ouve a porta abrir. Assim que se move o painel volta a desaparecer, como que engolido pela parede. Dirige-se para a porta e entra. A porta fecha-se atrás dela. Observa o hall onde entrou. Está na penumbra, a pouca luz que existe vem dos contornos do tecto. Segue em frente, em direcção à única porta da divisão, à excepção daquela por onde entrou. Ao chegar perto a porta abre-se, deslizando para dentro da parede do lado esquerdo. Hesita por instantes mas decide entrar. Está no vértice de um corredor em “L”. Em frente, a cerca de um metro e meio, tem um lanço de escadas que sobe. Para a esquerda, sensivelmente à mesma distância, uma porta semelhante à por onde tinha entrado e que também se fechara atrás dela. Sobe até ao topo das escadas onde encontra outra porta fechada. Ao posar os dois pés no pequeno patamar vê um feixe de luz azul “varrê-la”. Do lado direito da porta aparece um painel alfa numérico. Volta a consultar as instruções para saber que código deve introduzir. A porta, como a anterior, desliza para a esquerda desaparecendo dentro da parede. Entra numa sala apenas iluminada pelo feixe de luz que contorna o tecto. A sala está vazia à exepção de uma secretária e uma cadeira com aspecto de “cadeira de executivo”. Senta-se na cadeira e aparece um teclado virtual no tampo da secretária e a parede à sua frente parece “acender-se”, ficando um cursor a piscar. Volta a consultar as instruções. Apenas diz “o login és tu”. Esboça um ligeiro sorriso, que não apaga a tristeza das suas feições, enquanto digita o seu nome. A última linhas das instruções indica “a password é a minha mãe”. Digita o nome da mãe de Pedro e a parede enche-se de imagens e atalhos para pastas.


- Perímetro de segurança garantido.
- Rés-do-chão revistado e em segurança. Prosseguindo para o primeiro andar.
- Muito bem Tenente Martins, mantenha-me informado.


- Detective acho que vai querer vir aqui e traga a equipa forense consigo.
- Ok, vamos a caminho.

Martinho entra no armazém pela mesma porta que Johanna usara. Com mais luz a vir do exterior era possível ver o espaço e o estado de abandono do mesmo. Sobem ao primeiro andar. Contrariamente ao rés-do-chão no primeiro andar os taipais que cobriam as janelas ainda estavam mais ou menos intactos, ou melhor, estariam não fosse estarem agora cravejados de buracos de bala. A luz a entrar por essa multitude de buracos dava à cena do crime um ar ainda mais surreal. Martinho estremeceu ao se aperceber que era Pedro que jazia ali no meio daquela sala. Pensou em Johanna e em como se teria sentido ao ver aquela cena. Vê o golpe profundo que Pedro tem no peito. Olha as metralhadoras a seu lado. A julgar pelos buracos de bala, os carregadores estarão vazios, pensa. A equipa forense começa a documentar a cena do crime e Pedro afasta-se, vindo ao encontro do Tenente Martins.

- Tenente, alguma coisa a assinalar da busca anteriormente a terem achado o corpo?
- Sim Detective, nas traseiras do armazém está um Pontiac Trans Am todo “feito num oito”. Um desperdício!
- Alguma coisa dentro do carro?
- Numa busca inicial apenas encontrámos um saco com duas facas, três granadas e uma pistola. O que leva a suspeitar que o carro seja da vítima.
- Sim vamos ver se a equipa forense encontra mais alguma coisa.
- Detective, se me permitir a pergunta, conhecia a vítima?
- Sim Tenente, era o antigo parceiro da minha colega Johanna McGill.
- Não foi ela que reportou este incidente?
- Sim…


Martinho fica a olhar para o vazio… “Johanna onde estás tu?”… e volta a olhar para o telemóvel.


(continua)

FATifer

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

IX

Depois do almoço voltam ao escritório os dois e sentam-se cada um à sua secretária.

- Johanna…
- Sim Martinho…
- O teu “amigo” matou quatro homens antes de desaparecer, não foi?
- Sim.
- E desapareceu?
- Sim…. e não. Um mês depois do último crime começaram os telefonemas.
- Pois mas nunca conseguiste ligar uma coisa à outra.
- Martinho pareces o Pedro a falar! Mas sim, não temos qualquer prova concreta que quem fazia os telefonemas fosse o autor dos crimes.
- Não tem lógica…
- O que é que “não tem lógica”, Martinho?
- Ele mata quatro homens, pelo menos três dos quais apenas com os próprios punhos, depois começa a telefonar-te durante 6 meses e depois desaparece. E agora aparece morto daquela forma? Não tem lógica…
- Martinho… há sempre uma lógica… neste caso ainda não percebemos qual é.
- Talvez porque não tem lógica…
- Sim, é estranho. Pouco plausível até… mas é o que temos.

Martinho suspira. Recosta-se na cadeira e olha para o quadro deste caso. Johanna olha-o com um ar quase maternal e deixa escapar um leve sorriso.
O resto da tarde decorre lentamente sem novidades.


Johanna está recostada no sofá. A voz de Billie Holiday em “I’m a Fool to Want You” enche a sala. Olha para dentro do copo que tem nas mãos enquanto faz balouçar o líquido com movimentos lentos mas ritmados. Quando se preparava para beber o último gole do pouco bourbon que tinha colocado naquele copo, o telemóvel toca. Aquele toque. Larga o copo e agarra o telemóvel, atendendo a chamada o mais depressa que consegue.
- Pedro?!
- … Johanna…
- Pedro que tens? O que se passa?
- … Johanna… ouve… vê a mensagem… as coordenadas GPS… vem aqui ter… lembra-te… bolso direito…
- Pedro! Que conversa é essa?
- … Adeus Johanna… não consegui, desculpa-me…
- Pedro! Pedro!...

Johanna ouve o telemóvel do outro lado da chamada a cair e fica a ouvir um respirar cada vez mais ténue até que só silencio se ouve. Corre para o quarto veste-se apressadamente. Pega nas chaves do carro e no telemóvel e sai a correr deixando a kitty a olhar para porta, à espera da sua festa na cabeça. Já no carro programa as coordenadas GPS da mensagem de Pedro e espera por direcções. Calça as luvas de cabedal que gosta de usar quando conduz. “Isto é no meio do nada!”, exclama enquanto a arranca a toda a velocidade. A voz mecânica do GPS vai-lhe dando instruções que segue, conduzindo “como uma doida”. Por fim chega ao destino, um armazém abandonado no meio do nada a cento e cinquenta quilómetros dos arredores da cidade. Sai do carro. Saca da pistola que tinha ao cinto e da lanterna. Procura uma entrada. Ao longe uma porta entreaberta bate impelida pela brisa noturna. Dirige-se à porta e entra. A vontade dela é gritar por Pedro mas consegue conter-se. Avança cautelosamente, inspecionando o espaço. O armazém parece estar abandonado há muito. Para qualquer lado que aponte a lanterna só vê lixo e pó. Vai avançando encontra umas escadas. Sobe ao primeiro andar. A sala que encontra é ampla no centro parece ver uma luz ténue. Aponta a lanterna para ela e vê Pedro deitado no chão. Corre para ele. Quando o alcança, sente-o frio. Mesmo assim procura no pescoço um sinal de pulsação. Vê os seus olhos abertos. A cara sem expressão. As lágrimas começam a dificultar-lhe a visão. Limpa-as com as costas da mão esquerda e observa-o. O corpo está cheio de pequenos cortes e no meio do peito está um golpe profundo. Olha em volta. As paredes estão cravejadas de buracos de bala. Olha-o de novo e lembra-se. Abre o bolso que ele tem no lado direito do colete e encontra um papel ensanguentado. Nele escrito, com uma letra irregular, está uma morada seguida de um conjunto de instruções e uma palavra mais abaixo. Fica a olhar este papel por instantes. Ainda ajoelhada a seu lado pega no telemóvel e liga.

- Martinho?
- …Hã… Johanna?
- Desculpa ligar a esta hora. Vou enviar-te as coordenadas GPS de uma localização. Dirige-te para ela com uma equipa forense e é melhor trazeres uma equipa táctica, pelo seguro. Vou seguir uma pista depois volto a ligar-te.


Desligou o telefone sem esperar para ouvir a resposta de Martinho. Foi às mensagens e reenviou a mensagem de Pedro com as coordenadas GPS daquele local. Voltou a olhar para Pedro. A vontade era beijá-lo, dizer adeus… mas o espírito de detective fala mais alto, não deve contaminar mais a cena do crime. Levanta-se. Olha-o por uma última vez. Uma última lágrima escorre pela face esquerda. A sua expressão muda. Dirige-se à escada para descer em direcção ao carro. Destino, a morada escrita naquele papel ensanguentado.


(continua)

FATifer

domingo, 17 de janeiro de 2016

VIII

Algures numa sala escura uma nesga de luz ilumina uma lâmina empunhada por um vulto negro. Parece que o sabre japonês dança no ar como que levitando em movimentos, ora rápidos ora mais lentos. Num silêncio que parece absoluto, apenas se houve o som da lâmina a cortar o ar. Por fim a lâmina desaparece e tudo fica escuro, mal se distingue o vulto que se move em direcção à porta. Num corredor iluminado por uma janela alta num dos topos onde a luz passa com alguma dificuldade pelo reticulado de vidros enegrecidos pelo tempo, distingue-se uma figura envergando um kimono negro movendo-se pausadamente. Depois de alguns passos vira-se e faz deslizar uma porta de correr. Entra numa sala pequena e dirige-se a um suporte de madeira onde deposita, com uma vénia, o sabre que levava à cintura. Dá dois passos atrás, ajoelha-se e senta-se nos tornozelos, com o tronco recto, permanecendo imóvel nesta posição.


Johanna e Martinho voltam à sala de observação contígua à sala de interrogação número dois. Olham aquele homem através do vidro/espelho.

- O que te parece?
- Parece-me que está a dizer a verdade…
- Mais um punhado de nada!
- Calma Johanna. Aprende-se sempre alguma coisa.
- Como por exemplo?
- Estamos a lidar com alguém, cuidadoso, metódico e com recursos.
- Ah… a partir da cena do crime no armazém não tinhas já concluído isso?
- Compreendo a tua frustração mas não sejas assim tão pessimista! Esta entrevista não foi uma perda de tempo, vais ver…
- Ficarei contente se te vier a dar razão… por agora acho que podemos deixar ir este pobre coitado.

Johanna regressa à secretária. Senta-se, roda a cadeira e fica a olhar para o quadro construído com os elementos deste caso. As fotos da cena do crime no armazém. O anel. O padrão geométrico. Levanta-se a e adiciona ao quadro a foto do sem abrigo – Vítor Andrade - que tinha nas mãos. Fica a olhar para o quadro.

- Chegaram os resultados da autópsia.
- E então, está no sistema?
- Não, não foi encontrado nenhum registo sequer semelhante.
- Como já esperava…
- Os resultados das análises toxicológicas também não revelam nada de incomum. Algum álcool no sague mas nada de drogas ou outras substância estranhas. O conteúdo do estomago revela que a última refeição terá sido um hamburger, muito mal mastigado por sinal.
- Eles bem dizem que essas coisas matam-te…
- Um pouco de humor! Mas que bem!
- … é tudo o que me resta. Como esperava a equipa forense não encontrou nem um vestígio de impressão digital ou qualquer outra marca na caixa ou no anel.
- Pois, também vi isso.

Johana levanta-se e fica olhar para a foto da vítima desfigurada, que está colocada ao lado da foto da cena do crime no quadro.

- Achas que é ele?
- Como disse o Pedro, podemos nunca ter a certeza.
- Sim sem mais provas está complicado.

Martinho senta-se à secretária e faz longin no seu terminal.

- Johanna, vem ver isto…
- O que foi?
- Tinha deixado indicação para ser notificado de caso algo “estranho” aparecesse em sistema…
- Sim e?...
- Ora vê, foi encontrado um corpo em avançado estado de decomposição num beco a três quarteirões do armazém.
- E o que isso tem de extraordinário?
 - Diz aqui que a vítima, um homem de 42 anos, só foi participado como desaparecido ontem e que há testemunhas que afirmam terem-no visto vivo há três dias atrás.
- E está assim tão mau o corpo?
- Vê a foto…
- Sim, um corpo não fica a assim num dia ou mesmo em três…
- Deixa ver se já está disponível o relatório da autópsia…
- Parece que não… mas fiquei curiosa. Regista-te para seres notificado quando estiver disponível, para depois analisarmos.
- Feito!
- E quanto ao nosso caso. Deu algum resultado a pesquisa que te pedi sobre o armazém?
- … nada de especial, o costume, companhia compra companhia que compra companhia, que abre falência, que os bens ficam para os bancos… não encontrei nada de suspeito nas transacções.
- E que tal irmos almoçar?
- Parece-me bem!



Pedro está sentado à secretária a ler o relatório da autópsia elaborado pelo Dr. Fernandes. Recebe um aviso de mensagem no canto do ecrã. Vai ver. O seu semblante torna-se mais grave à medida que lê. Levanta-se com um ar decidido. Entra na “sala das armas” e vai escolhendo. Coloca tudo o que não encaixa no fato paramilitar que já tinha vestido num saco. Desce até ao piso inferior num elevador. Olha os veículos que tem à disposição, como que indeciso qual escolher. Acaba por optar pelo Pontiac Trans Am. Entra colocando o saco no banco do pendura. O som do motor ainda parece ecoar naquele espaço quando os pneus já chiam na primeira curva.

  
(continua)

FATifer 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

Crónica motociclista XIV

Porque até falei nisso. Porque o próximo capítulo da história ainda não está terminado. Mas acima de tudo e como sempre, porque me apetece. Apresento-vos o veículo que tive hoje o privilégio de conduzir: (foto exemplificativa retirar da net)

Yamaha FJR 1300


É, sem dúvida, a moto mais próxima de um carro que já conduzi. Quando me sentei nela pensei: “é demasiado grande!”. Mas, em contraste absoluto com o brinquedo com que me deliciei nos dois dias anteriores, nesta tudo é suavidade… ao ponto de o segundo pensamento que tive ter sido: “é demasiado confortável!”. É fantástico como se consegue, quase sem esforço algum, rolar a baixa velocidade neste autêntico sofá com rodas. E com as malas todas seria óptima para ir às compras ao supermercado. A resposta ao punho (acelerador) embora suave, como referi, é igualmente impressionante, afinal é uma 1300!

Foi um privilégio experimentar. Nela o percurso até ao trabalho pareceu curto mas porque está feita para se ir muito mais longe!

É uma semana para recordar…


FATifer

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

VII

Johanna voltou a sentar-se à secretária. Agarra no rato e selecciona uma pasta. Abre um documento e começa a ler. Quase sem se dar conta não está a ler mas a relembrar…

O som estridente do telefone interrompe-os…

- Sim… o quê? Vamos já para aí, não deixem que mexam em nada!
Temos outro e este ainda está quente!

Chegados à cena do crime os dois têm a mesma sensação de déjá vu habitual neste caso…

- Deve ser impressão minha mas já vi isto antes…
- ah… ah, é melhor não considerares o stand-up como carreira alternativa…
- … ora bolas, achas? Eu que estava a pensar…
- Estás muito espirituosa hoje… deixa-te de coisas e vê se encontras algo que ainda não vimos, um ínfimo indício de algo que seja!
- … uma pista queres dizer…
- Isso seria bom demais…
- Detectives! … vejam…

Um elemento da equipa forense chama-os enquanto analisa um ligeiro contorno do que parece ser uma sola de bota nas bordas da poça de sangue que escorre da cabeça desfigurada da vítima.

- …Não é muito mas, não dando para determinar marca ou modelo, pode permitir extrapolar o número que calça…
- Vês, isto é um indício!… bom trabalho Sérgio.
- Sim. Mas aqui há algo diferente…
- Referes-te ao facto de ser asiático?
- Também mas não só… repara… a perna e o braço…
- Hum, tens razão Johana… parece que há golpes de algo. Isto não foi feito só com as mãos como nos outros casos.
- Vês, uma pista!
- … hum… talvez tenhas razão… deixa ver o que diz o Dr. Fernandes.

Dão mais uma vista de olhos e afastam-se da cena do crime deixando a equipa forense concluir o seu trabalho. Pedro acende um cigarro e sorri face á expressão de desaprovação de Johanna, já sabe que vai ter de o apagar antes de entrar no carro.


- Johanna!
- Sim Martinho…
- Localizámos o sem abrigo que enviou a caixa. Está na sala de interrogação número dois.
- Vamos!

Antes de entrar na sala olham o homem pelo vidro que para ele é um espelho. Coincide inteiramente com a descrição à excepção dos óculos escuros. Entram os dois na sala.

- Sr. Vítor Andrade, sabe porque está aqui?
- …por causa da caixa…
- Então conte-nos o que aconteceu…
- Como disse ao agente …estava a andar e depois de um cruzamento encontrei uma caixa no chão com dois envelopes em cima. Abri o primeiro envelope e vi uma folha dobrada e algum dinheiro. Desdobrei a folha e vi que continha instruções para entregar a caixa na agência de transportes na esquina seguinte. Abri o outro envelope e tinha mais dinheiro. Quando me preparava para pegar na caixa senti uma arma encostada às minhas costas. Ouvi de seguida uma voz metálica que apenas disse que, se seguisse as instruções poderia ficar com o dinheiro do segundo envelope. Caso não as seguisse seria a última coisa que faria na vida. Deixei de sentir a arma virei-me mas não vi ninguém. Voltei a virar-me, peguei na caixa e segui as instruções.
- … e depois?
- Depois de entregar a caixa na agência conseguindo convencer o empregado a aceitar o envio sem remetente com o dinheiro extra do primeiro envelope, tal como instruído, deixei a agência. Só aí contei o dinheiro do segundo envelope.
- O que fez ao dinheiro?
- Gastei-o em comida e nestas botas que as minhas estavam rotas.
- A caixa já tinha o endereço do destinatário?
- Sim… eu não fiz nada de mal!…
- Não, não fez… tenha calma, apenas pretendemos ver se nos consegue ajudar a encontrar quem mandou a caixa.
- …não sei mais nada!
- Já disse para ter calma.

Levantam-se ambos e saem da sala.


(continua)


FATifer

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Crónica motociclista XIII

Desculpem-me todos aqueles que estavam à espera de mais um capítulo da história que vos comecei a contar mas hoje tinha de assinalar o facto de ter tido o privilégio de conduzir o “monstro” que vêm na foto ali em baixo! É realmente um privilégio ter amigos que nos emprestam brinquedos destes. Hoje fiquei com pena que o meu percurso diário tenha “apenas” 60 km (30 na ida e o mesmo na volta), pois nesta “menina” ia muito mais longe. É difícil descrever o que se sente quando se conduz um “bicho” destes. Sim, bate demasiado em baixas. Sim, não tem muita protecção aerodinâmica. Mas o som daquele motor… a resposta ao punho (acelerador) é qualquer coisa de indiscritível! Cheguei ao trabalho com um sorriso de orelha a orelha e fiquei o dia todo a pensar na viagem de volta a casa. Já disse que sou um colecionador de momentos e estes têm lugar de destaque na minha colecção. Para aqueles que queiram uma comparação, ainda que “mal amanhada”, é como quem conduz um Mazda MX5 (sim que a minha menina – moto – também merece ser valorizada! ) poder conduzir um Porsche 911.


Há dias assim… felizmente!

Ducati Monster 695

FATifer



PS – …conta a minha mamã que quando era pequeno havia um disco que adorava ouvir vezes sem conta, quando acabava pedia logo: “outra vez!”… desta vez não pedi mas o desejo foi concedido, amanhã haverá mais! 

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

VI

Johanna está sentada à secretária. Embora pareça olhar para o monitor, o seu olhar vago e distante indicia que não está ali e agora.


- Johanna… acabei de receber o relatório preliminar da perícia forense… nada de diferente a assinalar…
- …ele vai fazer um erro mais cedo ou mais tarde… ninguém é perfeito…
- …ele… assumes… nem isso sabemos!
- Pedro, aquelas mãos, aquela voz… não podia ser uma mulher!
- Assumes que quem te atacou é o autor destes crimes. Percebo mas não temos provas que o sustentem.
- Sim Pedro, não temos provas mas eu sinto-o. Chama-se um palpite e os meus palpites tendem a estar correctos, com tão bem sabes.
- … algum palpite quanto ao paradeiro do homem?

Johanna atira uma borracha na direcção de Pedro que sorri enquanto a apanha com a mão que tinha livre, continuando a ler as folhas que tinha na outra.

- Ora recapitulemos, temos três vítimas do sexo masculino de idades compreendidas entre os vinte e os cinquenta e sete anos. Dois caucasianos e um negro. Não encontrámos nenhuma ligação clara entre eles à excepção de serem propensos a actos de violência.
- Certo…


- Johanna chegou isso para ti.
- Obrigada Martinho.

Johanna olha para um embrulho que Martinho colocara na secretária à sua frente. É uma caixa pequena, cinzenta com o lacinho dourado. Abre a caixa. Afasta o papel de celofane e descobre um anel. Tem de se conter para não o agarrar de imediato. Abra a primeira gaveta da secretária retira um par de luvas que calça. Depois pega finalmente no anel e inspeciona-o. Tem um aspecto tosco e batido. Umas nervuras de lado juntam-se no disco central. Olha para as marcas nesse disco, distingue um padrão geométrico que identifica de imediato. Mesmo assim pressiona o anel contra o bloco de folhas que tinha na secretária. Com um lápis sombreia a marca deixada pelo anel. Pega no bloco com as duas mãos e fica a observar. Na sua face um ar de confirmação.
Martinho olha-a só desviando a sua atenção para o bloco quanto ela o pousa junto ao anel na secretária.

- O embrulho vinha numa caixa de transportadora endereçado a ti e sem remetente. Questionámos a transportadora que indicou que o homem que o deixou pagou extra ao funcionário para que o envio fosse feito assim. A descrição do homem em causa não ajuda muito: aparentava ser um sem abrigo com cerca um metro e oitenta, moreno, barba, óculos escuros, boné, calças de ganga e blusão verde tropa. A câmara de vídeo da agência estava avariada na altura da entrega pelo que não temos imagens. Estamos a tentar verificar se há alguma câmara de trânsito ou de um multibanco na área que possa ter captado algo.
- Muito bem Martinho, excelente trabalho. Entrega a caixa e o anel à equipa forense para análise. Embora suspeite que não vão encontrar nada de útil.
- Ok.

Johanna coloca o anel dentro da caixa, esta dentro de um saco de prova e entrega-o a Martinho.


Algures na cidade uma sombra entra num prédio com um ar abandonado. Depois de percorrer um corredor na penumbra, chega a uma parede que se abre misteriosamente à sua frente e entra numa sala ampla mas também pouco iluminada. Descalça as botas, retira o longo casaco preto de pele que pendura num cabide e dirige-se a um suporte onde deposita, com uma vénia, um sabre japonês. Entra noutra divisão de onde sai momentos depois, já sem as calças de couro e a camisa pretas. Enverga um kimono yukata azul escuro, com um padrão que quase não se distingue. Dirige-se à cozinha e pega num frasco. Retira três colheres cheias, uma após a outra, de grãos de café para um moinho manual. Procede à moagem do café por recurso a movimentos de cadência constante. Abra a gaveta e retira o pó com uma colher de madeira para uma espécie de funil onde colocara um filtro. A chaleira apita, pega nela vertendo de seguida o conteúdo de água no filtro. Um líquido escuro começa a cair numa pequena taça colocada por baixo do funil com o filtro. Todos os movimentos foram realizados de uma forma elegante como se de um ritual se tratasse…
Com a taça nas mãos senta-se no chão em frente a uma mesa rasa, tem a mão esquerda debaixo da taça e a outra a envolvê-la do lado direito, mantendo esta forma de a agarrar leva-a à boca e bebe um gole de café fechando os olhos.


(continua)


FATifer

domingo, 10 de janeiro de 2016

V

Johanna está sentada no sofá com um copo de Whiskey nas mãos. A kitty deitada a seu lado olha-a com um ar sonolento. Bebe um golo e suspira. Só o corpo está ali, a mente está anos atrás…

- Johanna a minha mãe morreu, nada me prende aqui…
- … então e eu?
- Tu?...
- Sim eu… não entro nessa equação?
- … não…
- Pedro!...
- … adeus Johanna.

Johanna olha-o enquanto Pedro se afasta. O carro arranca e apenas o som da chuva que martiriza o pano do chapéu se ouve. No fundo sabia que este dia chegaria, esta vida era demasiado “normal” para ele. Não devia ter-se deixado encantar por aquele homem. Desde de que o vira que os seus instintos a tinham avisado disso e mesmo assim não resistira. Havia algo nele que o tornava irresistível embora não soubesse dizer o quê, se lhe perguntassem.

O telefone toca. Não faz menção de atender. O telefone deixa de tocar. Não se interessa em ver quem era. Continua absorvida nas memórias. Bebe mais um golo.

- Johanna, o que se passa?
- Pedro…
- Sim, o que se passa?
- …nada mas…
-  Johanna, deite-te este número em caso de necessidade. Não me faças arrepender-me de o ter feito.
- Desculpa… queria ouvir a tua voz…
- Johanna, pensei que tinha deixado bem claro que entre nós apenas há a dívida de gratidão por teres salvo a minha mãe. Honrarei a palavra dada, por isso te dei este número… não foi para ouvires a minha voz.
- …
- … não chores… mas tens de perceber que na minha vida não há lugar para romance. Cuida-te!


Bebe o resto do whiskey de um trago. O copo escorrega por entre as suas mãos e cai no tapete enquanto as lágrimas escorrem por suas faces.


Move-se como uma sombra na noite, parece que desliza… numa esquina um homem bate numa mulher. Ela encolhe-se e protege a cara à espera do próximo golpe que parece tardar mais do que esperava. A medo baixa um braço e com surpresa constata que o agressor já não está à frente dela. Olha em volta tentando perceber como pode ter desaparecido e para onde…
Num beco escuro não muito longe o homem que há momentos tinha os olhos raiados de sangue enquanto batia selvaticamente na mulher, que ainda não percebeu como ele desapareceu, agora tem o olhar parado. Observa um vulto negro que tem à frente sem perceber onde está e como foi ali parar. Numa sequência de movimentos quase imperceptível para este homem, o vulto de preto envia quatro kunai (espécie de punhais ninja) que lhe acertam, dois nos ombros e dois na cintura, fixando-o firmemente à porta de madeira maciça atrás de si. A dor que sente é grande mas o medo é maior pelo que não chega a gritar. O vulto de negro aplica, num movimento rápido, um golpe na traqueia do homem. Só se apercebe que deixou de conseguir falar quando, instantes depois, se vê impossibilitado de gritar, como pretendia, em resposta ao gesto que o vulto à sua frente acabara de fazer – abanou o indicador da mão direita para a direita e para a esquerda e terminou com o polegar para baixo.
A última coisa que sente é o golpe na jugular feito pelo wakizashi (sabre japonês de pequenas dimensões) empunhado por aquele vulto, que o fez acabar de se esvair em sangue…
O vulto de preto recolhe os kunai, lança um spray sobre o corpo e desaparece nas sombras.


Johanna chega à secretária e tem um bilhete de Martinho:

“O Dr. Fernandes chamou-nos, quando chegares vai lá ter ;)“

Volta vestir o casaco que despira e dirige-se para a porta.

- Bom dia Dr. Fernandes. Martinho.
- Bom dia Miss McGill.
- Johanna.
- E então o que nos pode dizer Dr. Fernandes?
- … bem, como dizia aqui ao detective Fonseca. Para começar posso dizer que este desgraçado não parece ter ficado com um único osso inteiro da sova que terá levado.
- Encontrou marcas que indiquem se foi empregue alguma arma?
- Não é fácil afirmar. A maioria das marcas aparentam ter sido provocadas com as mãos. Uma ou outra marca poderia ter sido causada por um bastão ou uma soqueira. A marca mais curiosa que encontrei é um padrão geométrico na face esquerda. Tenho a sensação de já o ter visto antes mas a minha memória já não é o que era.
- É este? (Johanna retirara um foto do bolso e mostrava-a ao Dr. Fernandes)
- Esse mesmo!
- E que mais? As mãos e os pés, como foram cortados?
- Mãos e pés foram amputados post-mortem recorrendo a uma lâmina afiada. Não tendo ambos os lados é difícil especificar qual o objecto empregue mas diria que nos quatro casos a amputação foi feita num só golpe.
- Causa da morte?
- O golpe no nariz que o afundou crânio dentro.
- Conseguiu identifica-lo?
- Infelizmente ainda não. Sem as mais e os dentes que foram todos removidos resta-nos esperar pelo teste de ADN, para ver se por acaso está no sitema.
- Mais alguma coisa?
- Apenas mencionar que a marca com o padrão geométrico, que parecia já estar à espera que encontrasse, terá sido feita post-mortem como as aputações. Os resultados das análises toxicológicas estarão no meu relatório. O teste de ADN demorará mais uma semana.
- Ok, obrigada Dr. Fernandes.
- Obrigado Dr. Fernandes.
- Detectives…



(continua)


FATifer

sábado, 9 de janeiro de 2016

IV

Depois feitas todas as fotos o corpo é finalmente retirado das correntes e inspecionado. Não tem identificação e, como aparentava, está bastante desfigurado.

- Pode levá-lo Vieira e diga ao Dr. Fernandes que esta autópsia deve ser a prioridade!
- Sim menina.
- … continua a chamar-te menina.
- Pedro, ele conhece-me desde que nasci.
- O que te parece isto tudo?
- Não sei… ou melhor, parece-me um quadro e o pintor é outro!
- Estás a pensar o mesmo que eu?
- Sim… pode ser ele… a vítima!
- Será?... já sei, vamos esperar pelo que diz o Dr. Fernandes…
- … sim… mas lembra-te que nunca teremos a certeza…
- … nunca digas nunca.
Martinho escutava a conversa sem se querer intrometer. Claramente havia muito sobre o “amigo” de Johanna que não constava do ficheiro que tinha lido.

Os três saíram pela porta principal do armazém. Era quase hora de almoço. Johanna convidara Pedro para almoçar com eles mas este recusara. Encaminhava-se com Martinho para o automóvel enquanto Pedro seguia na direcção oposta, encaminhando-se para o seu. Entes de entrar no carro Pedro olhou na direção deles e Johanna acenou-lhe adeus.

- Onde queres ir almoçar?
- Não sei Martinho, escolhe tu.
- …bem sendo assim, vamos à tasca do Manel comer umas sandes de torresmos…
- Pode ser…
- Johanna?! Tu nem ouviste o que eu disse pois não?
- …hum? O quê?
- Bem me parecia. Estás bem?
- …
- Eu tentei fazer de conta mas é mais forte do que eu e tu sabes!… queres contar-me o que ainda não me contaste sobre o teu “amigo”?
- Martinho…
- … ok esquece, vamos almoçar.


Pedro segue de carro por uma rua estreita que parece acabar num beco. O carro imobilizado é percorrido por um feixe verde. O que parecia uma parede abre-se e ele entra.


Johanna e Martinho entram no restaurante do costume. Sentam-se na mesa de costume. O empregado do costume serve-lhes o costume.

- Não sabia que tinhas mantido contacto como Pedro.
- Não tinhas de saber! E não mantive…
- Apenas assumi porque ele disse que tinha ligado mas já vi que não queres falar do assunto…
- Ele deu-me um número para lhe ligar em caso de necessidade, só isso… e sim não quero falar do assunto.
- O tempo está…

Johanna fuzila Martinho com o olhar, este sorri mas não insiste. Acabam a refeição em silêncio, eles, que no restaurante é quase impossível ouvir-se a pessoa do lado sem que esta grite.
De volta ao escritório Johanna senta-se ao computador a ver a fotos da cena no crime. Abre uma pasta com outras imagens. Coloca lado a lado uma imagem de um rosto quase desfigurado e a imagem da cena do crime “naquele ângulo”. Inclina-se para a frente e imediatamente se recosta na cadeira libertando um suspiro que revela um misto de desalento e resignação.

- Já confirmaste que é o mesmo padrão geométrico.
- Sim.
- E agora?
- Agora esperamos pelo resto, em particular a autópsia.
- Ok…


Pedro está numa sala escura. Apenas um fio de luz contorna o tecto. Na parede em frente dele estão projectadas um conjunto de imagens para as quais olha em silêncio. Levanta-se da cadeira e dirige-se à parede à sua esquerda. Coloca a palma de mão num rectângulo quase imperceptível. Depois de uns segundo ouve-se um som de fecho a abrir e uma porta abre-se lentamente à sua frente. Entra numa divisão com as paredes coberta de armas. Penduradas nas paredes estão desde lança rockets, espingardas de assalto, metralhadoras e pistolas, do lado esquerdo, a todo o tipo de espadas, bastões e facas, do lado direito. Em frente um conjunto de vestimentas para todo o tipo de operação de combate. Dirige-se ao centro da parede do fundo da sala e fica a olhar fixamente para o fato colocado numa vitrine em local de destaque.



(continua)

FATifer

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

III

- Bom dia Johanna.
- Bom dia Martinho.
- Como foi o resto do fim-de-semana?
- Passou-se…
- Ele não voltou a telefonar?
- Não.
- Fiz o pedido para voltarem a monitorar o teu telefone mesmo não acreditando que o façam. Não temos motivos que o justifiquem.
- Pois.

Johanna sentara-se à secretária com a chávena de café entre as mãos a tentar aquecê-las. Martinho fez uma pausa como que a dar-lhe o tempo que o olhar dela parecia pedir e depois continuou:

- Temos um caso mas podes acabar o café.
- Temos um caso e não me dizes nada? Vamos!

Johanna engole o resto do café de um golo e levanta-se. Martinho segue-a.

Em pouco tempo estão no local do crime, um armazém abandonado perto do porto. No centro da sala ampla está um poça de sangue acima da qual está o corpo de um homem suspenso, como que emaranhado, na cortinha de correntes enferrujadas que vêm do tecto.

- Bom dia Semedo.
- Bom dia detectives.
- A que horas foi encontrado?
- Seis da manhã, o guarda nocturno ouviu um barulho e entrou neste espaço que não faz parte da ronda pois deveria estar fechado.
- E não estava?
- Segundo o guarda, a porta principal, a mesma por onde entraram, estava. Solicitei a verificação de todas as outras.
- Muito bem. Conte-me o que sabemos mais.
- Pouco mais do que está à vista. Estamos à espera que a equipa forense acabe de documentar a sua posição para o retirar e verificar se tem identificação. Como disse este espaço devia estar fechado pois o armazém está para venda.
- Encontraram os pés e as mãos?
- … ainda não.
- Obrigado …

- Johanna? O que foi?

Johanna afastara-se para o canto da sala oposto à porta por onde haviam entrado e olhava estática a cena do crime.

- Johanna?
- Olha Martinho…

Martinho virou-se e olhou. Viu o que ela estava a ver e ficou calado como ela estava…

- Detectives… encontraram alguma coisa? Porquê essas caras? Virgem Santíssima!…

O agente Semedo tinha-se virado olhando na mesma direcção que Johanna e Martinho. O que parecia um emaranhado de correntes, naquele ângulo e só naquele ângulo, era uma sequência ordenada de traços que formava um padrão geométrico com o corpo no centro.

Um outro agente chega ao pé do agente Semedo e como que com receio de interromper o silêncio segreda-lhe algo. Ao virar-se olhando na mesma direcção que os restantes não consegue conter um “o que raio?” de espanto.

- Detectives… posso confirmar que todas as entradas à excepção da principal, incluindo janelas, estão fechadas. E não foram encontrados as mãos e os pés da vítima dentro deste edifício.
- Obrigado agente Semedo. Peço aos peritos forenses para fotografarem a cena do crime deste ângulo antes de retirarem o corpo, por favor.
- Sim detective.

Os dois agentes afastam-se e Martinho fita Johanna que ainda não conseguira deixar de olhar na direcção do corpo daquele ângulo.

- Johanna… não sei que dizer… uma coisa é não acreditar em coincidências outra é isto!...

Johanna não responde mas desvia finalmente o olhar na direcção da porta. Observa um homem alto, moreno, bem constituído, de fato cinzento e óculos escuros que se dirige para eles.

- Pedro…
- Johanna. Detective Martinho.
- Pedro? O teu antigo parceiro?
- Sim, detective Martinho, sou o antigo parceiro da Johanna.
- Mas não tinha desaparecido nas sombras após a morte de sua mãe?
- Ninguém desaparece… com sorte conseguimos tornar-nos mais difíceis de encontrar…

Pedro completou a frase com um sorriso enigmático, ao virar-se a sua expressão muda e o corpo contrai-se, como que tentando dissimular o espanto.

- … sim Pedro, é o mesmo padrão… não me digas que não estavas à espera de algo assim?
- Para te ser franco, estava à espera de algo mas não assim…
- A vida é cheia de surpresas… ou talvez não.
- Johanna…
- Desculpa, eu sei que não é a altura… mas a que devemos a honra?
- Fiquei preocupado contigo depois de teres ligado.
- Não devias… O que achas disto? … Já sei, vamos esperar pelo que diz o médico legista…

Pedro sorri e não responde. Os três encaminha-se de volta ao centro da sala. Querem olhar para o corpo mais de perto assim que este for retirado das correntes.

(continua)


FATifer

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

II

A noite estava escura e chuvosa, Pedro sobe a gola da gabardine para tentar proteger-se do vento enquanto inclina o chapéu para que ela não se molhe muito. Debruçada sobre o corpo inanimado de um homem brutalmente espancado tenta ver uma marca na sua face.

- há um padrão geométrico, talvez deixado por um anel?
- Sim é provável Johanna mas deixa que o médico legista depois analisa melhor e já tiraram fotos…
- Sim vamos, está desagradável, não está?
- Está? Diria que está uma bela noite…

Sorriu correspondendo ao tom irónico de Pedro, sempre apreciara essa sua qualidade de concordar discordando.
Viram-se e encaminham-se para o carro.

- Para deixar um homem naquele estado é preciso ser uma besta.
- … Depende do que entendes como “besta” Johanna… não sei se o agressor será sequer maior que a vítima… diria é que sabe muito bem como e onde bater e até que terá prazer em infligir dor.
- Porque dizes isso?
- … há partes do corpo que só atinges por prazer ou necessidade e não me parece que tivesse necessidade.

Pedro abre a porta para Johanna entrar, dá a volta ao carro fecha o chapéu de chuva e entra no lugar do condutor.

- Levo-te a casa?
- Se não te importas…

O carro arranca. O caminho é feito em silêncio, não há muito a comentar, é a terceira vítima mortal por espancamento no espaço de uma semana. Parece haver alguém muito zangado a vaguear pela cidade.

Pedro deixa-a à porta de casa e segue, dá dois passos de corrida para fugir à chuva e assim que acaba de abrir a porta do prédio, ouve uma respiração pesada atrás de si. Sem que pudesse reagir sente duas mãos fortes agarrá-la. Num instante uma está a tapar-lhe a boca agarra-a impedindo-a de se mexer. Ouve uma voz grave ao seu ouvido:

- … vocês não me apanharão mas eu posso apanhar-te quando quiser….

… E é empurrada para dentro do prédio com uma violência tal que não consegue evitar a queda. Levanta-se de imediato e abre a porta mas nada vê além de chuva e um carro que aparece ao início da rua. Volta a entrar e fecha a porta atrás de si encostando-se a ela enquanto tenta recuperar o fôlego. Ainda ofegante liga a Pedro e ouve o toque do outro lado da porta. Com a precipitação nem reconhecera o carro que entrara na rua, abre a porta.

- Estás aqui?
- Sim… voltei atrás pareceu-me ver algo… estás a tremer!
- …
- O que se passou? Conta-me!

Após um breve relato Johanna aceita o abraço de Pedro que a tenta confortar.

- Queres que suba?
- Não… estou bem… vai para casa que a tua mãe deve estar preocupada.
- … tens a certeza?
- Sim vai…

Pedro mesmo contrariado obedece e deixa-a no átrio de entrada do prédio já menos ofegante e aparentemente mais calma. Respira fundo e dirige-se para o elevador. Carrega no botão de chamada e fica a olhar para o mostrador, vendo os números decrescerem até ao zero. Abre a porta e entra. Carrega no botão do seu andar fecha os olhos e recorda tentando perceber o que acabou de se passar. Aquela voz ainda ecoa na sua mente. A forma pausada, confiante, desafiadora até, como falara aquele homem de mãos poderosas deixara-a mais perturbada do que quereria admitir. Entra em casa. Acende a luz e olha-se ao espelho que tem ao lado da porta. Procura-se como se tivesse necessidade de se encontrar.


Perdida nas memória acabara por adormecer no sofá onde acorda horas depois.


(continua)


FATifer